Carmen nasceu respirando o ar pesado da miséria no Morro do Adeus. Seu primeiro som foi um choro de medo de um bebê. Sua infância e adolescência foram recheadas de privações vendo sua pobre mãe trabalhando como doméstica para gente rica nos bairros mais glamorosos na zona sul carioca. Seu pai virou um alcoólatra. Ele gostava de ouvir o samba de Cartola, “O mundo é um moinho”. A crueza do seu cotidiano esmagou seus belos sonhos e só voltava a sonhar mergulhado nos copos de cachaça bebendo as ilusões nas esperanças perdidas.
A pequena Carmen viu seu pai se suicidando em cada gole de cachaça, carregando o peso cruel da realidade. Se tornou uma mulata atraente e seu belo corpo o levou a sonhar além da compreensão dos tolos e dos moralistas. Se tornou uma jovem prostituta sem entender muito da vida. O sexo para ela não era prazeroso, apenas vendia seu corpo aos velhos ricos que buscavam a juventude perdida. Eram generosos e pagavam além do combinado.
Carmen saiu do Morro do Adeus e sua mãe a abençoou: "Deus te acompanhe minha filha". Enquanto fores jovem, enquanto seu corpo exalar desejos, terás grana, dizia Cícero, seu cafetão. Um dia ela conheceu numa boite um homem de olhar triste. Carmen reparou bem naquele homem e notou sua timidez. Chegou perto dele e sussurrou no seu ouvido com sua boca de batom vermelho carmim dizendo: Reparei em você. Os olhos daquele misterioso homem eram carregados de melancolia, o que lhe dava um charme especial. O senhor mora no Rio? Sou do mundo, respondeu ele. Ah um homem viajado, gosto disso.
Ela percebeu que depois de muito anos sentiu tesão. O convidou para sair da boite e empolgada disse: Não quer me conhecer melhor? Posso deixar você muito feliz e prometo não cobrar caro. Ele não disse nada, simplesmente assentiu. Sexo sempre relaxa. Num quarto pequeno e fétido, os dois, depois de muito tempo sentiram afeto e ele fez ela sentir o prazer verdadeiro. Carmen nem se preocupou em colocar camisinha. Deixou de ser uma prostituta vulgar e o beijou como se ele fosse o grande amor de sua vida. Seu profissionalismo foi deixado de lado e ela se sentiu amada. Foram momentos preciosos. Se sentiu mulher.
O homem misterioso foi embora depois de carinhosamente acariciar seus cabelos sem ao menos dizer seu nome. Carmen mordeu seus lábios, confusa com esse novo sentimento. Sentiu vontade de chorar e um encanto acariciou seu coração. Pensou na sua pobre mãe. Hoje, Carmen está casada com Agenor. Homem bom e trabalhador. Tem dois meninos e uma menina. Virou evangélica e frequenta a Igreja Universal do Reino de Deus. Ainda lembra daquele homem misterioso e de olhar cheio de melancolia.