Sexta do samba já se tornou uma tradição do mês de janeiro no Sesc da cidade. E na versão deste ano ganha destaque a presença feminina. O primeiro show teve a arte de Milena Castro fazendo o “Samba pras moças”, acompanhada com renomadas musicistas de percussão, como Tati Salomão, Kelly Adolpho, Kamilla Alcântara e Mônica Isabel. Diga-se de passagem, vários grupos de mulheres vêm fortalecendo o movimento percussivo nacional. São mulheres jovens, a maioria se identifica como negra, feminista, e de diversas identidades de gênero. O Coco das Manas, o Bloco das Calungas, o Patubatê, as Batucas, o Tambor de Iaiá, o Grupo Samba de Dandara, dentre outros, que nos digam.
Na última sexta-feira, foi a vez de Nanny Soul com um repertório de canções interpretadas por Elza Soares. Eu confesso que no começo fiquei desconfiado. Cantar músicas de Elza Soares não é tarefa fácil porque requer uma voz poderosa, timbre intenso, versatilidade expressiva e uma dinâmica vocal que transita desde momentos suaves e melódicos até explosões vigorosas. E não demorou muito para Nanny cativar o público, flertando com vários gêneros musicais na fronteira do samba de raiz, como o samba-jazz, o sambalanço, bossa nova, soul, rock e música eletrônica.
Havia um encontro de gerações no salão. Muitos antigos frequentadores dos shows, estudantes universitários e até mesmo crianças. Quem foi que disse que a canção brasileira não encanta as novas gerações? Ela está mais do que viva e se recria com força nas vozes das mulheres cancioneiras e batuqueiras. Estavam ali presentes os diversos processos de mistura que favoreceram o enriquecimento musical da canção brasileira. Era o samba em sua forma de partido-alto dos frequentadores dos terreiros de Tia Ciata e de outras tias descendentes de escravos lá dos morros do Rio de Janeiro. Mas teve também o tango, o bolero e a canção como recado - “deixa que digam, que pensem, que falem”! E o que dizer da atuação do corpo e da voz balizando a produção musical por meio da dança, do ritmo e da melodia?
Eu fui capturado de vez com a passagem pelas canções de Luiz Melodia, um compositor negro e percursor desse coquetel rítmico que tanto saboreava Elza Soares. Foi diante da Nanny Soul, cantando “Juventude transviada”, que eu percebi a marca deixada dentro de mim pelo álbum “Pérola Negra”, aquele lançado por Luiz Melodia, em 1973. Afinal, “eu entendo a juventude transviada, e o auxílio luxuoso de um pandeiro”. Tudo isso “no coração do Brasil, no coração do Brasil... cor de sangue!”