“A ação dos canabinoides [princípios ativos da Cannabis] no nosso corpo se dá principalmente pela interação com o sistema endocanabinoide no sistema nervoso central, um complexo sistema responsável por regular uma variedade de funções fisiológicas, como dor, apetite, humor, memória, sono e até resposta imunológica”. A afirmação é da médica Maria Teresa Castilho Garciaa, coordenadora do Departamento de Neurologia do HR (Hospital Regional) Doutor Domingos Leonardo Cerávolo de Presidente Prudente e da disciplina de Neurologia da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista).
A especialista, que tem doutorado e pós-doutorado pelo Setor de Epilepsia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e membro titular da ABN (Academia Brasileira de Neurologia) e da AES (American Epilepsy Society), explica que no início do século, estudos na área da neurologia e psiquiatria passaram a ser amplamente desenvolvidos. “O ‘boom’ do canabidiol se deu na primeira década dos anos 2000, quando o medicamento purificado foi desenvolvido e aprovado pelo FDA [agência regulatória americana] para tratamento de epilepsia”, afirma.
Conforme a médica, o cérebro possui inúmeros receptores canabinoides e os estudos demonstraram que em epilepsias refratárias, o uso de canabidiol como medicamento adjuvante, ou seja, associado a outros fármacos anticrise, promovia bom controle de crises epilépticas. “Ao longo dos últimos 20 anos, com publicações em revistas científicas da área médica, sabe-se que hoje o tratamento com canabidiol tem indicação comprovada para algumas síndromes epilépticas refratárias, sobretudo as da infância, como, por exemplo, as síndromes de Dravet e Lennox Gastaut”, salienta.
Ainda segundo Maria Tereza, neste período, vários outros estudos têm sido realizados para avaliar a eficácia e segurança do emprego de canabidiol em doenças crônico-degenerativas como doença de Alzheimer, doença de Parkinson, transtorno do espectro autista, dor, doenças psiquiátricas, bem como outras condições. “É importante deixar claro que os medicamentos à base de canabidiol não agem diretamente na causa da doença, não promovendo ação curativa, mas, sim, sobre os sintomas, como, por exemplo, controle de distúrbios comportamentais, agitação psicomotora e agressividade, já que os estudos são realizados em doenças extremamente variadas, com fisiopatologias bastante diversas”, considera.
“Porém, como o sistema endocanabinoide tem expressão em áreas extensas do cérebro foi possível realizar ensaios clínicos randomizados com pacientes que exibem uma série de condições clínicas que estão ainda sendo estudadas atualmente e, por isso, não se tem comprovação científica do uso de canabidiol para muitas doenças neuropsiquiátricas”, expõe a médica, que analisa a maior procura por medicamentos à base de canabidiol, sobretudo após a liberação do uso do produto no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2019.
Antes de a Anvisa aprovar a comercialização do fármaco no Brasil, os pacientes tinham maior dificuldade para aquisição, e além disso, o uso restrito necessitava de relatórios médicos e processo lento para aprovação de importação, e o custo se tornava “bastante elevado”. “Nos dias atuais, com a fabricação da medicação no Brasil, seu custo se tornou mais acessível, sendo que os pacientes podem adquirir a medicação em farmácias. No caso do SUS [Sistema Único de Saúde], o canabidiol ainda não foi incorporado para distribuição nas farmácias de alto custo, sendo necessário processo administrativo para que sua aquisição seja autorizada pelos órgãos públicos”, explica Maria Tereza.
SAIBA MAIS
A médica reforça que o uso de maconha ou da planta de modo artesanal (caseiro) não é sinônimo de uso de medicamentos à base de canabidiol medicinal, cujos compostos são altamente purificados e contêm quantidades em concentrações específicas de CBD e/ou THC, conforme prescrição médica. Dessa maneira, a prescrição de medicamentos à base de Cannabis medicinal deve ser cuidadosamente escolhida para cada condição clínica.
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