Conta-se que havia um país muito distante daqui e que apesar de todas as dessemelhanças, guardava conosco uma coisa em comum: a paixão pelo futebol. Lá como cá, na descrição rodriguiana, a mais sórdida pelada era de uma complexidade shakespeariana, até porque “Se o jogo fosse só a bola, está certo. Mas há o ser humano por trás da bola, e digo mais: a bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe. O que procuramos no futebol é o drama, é a tragédia, é o horror, é a compaixão” (Nelson Rodrigues, O Globo, 19/11/1963).
Mas algo de muito errado acometia o campeonato daquela pátria. Após uma longa investigação, a confederação desportiva descobriu que um dos times, para escândalo nacional, estava a praticar inúmeras falcatruas. Desviava dinheiro das bilheterias, cooptava patrocinadores, falsificava documentos, enfim, praticava toda ordem de infrações, dignas de fazer inveja até a Iago, de “Otelo”.
Sucedeu, então, um longo processo e o time investigado acabou condenado por várias instâncias da Justiça Desportiva, resultando na sua eliminação e proibição de participar do campeonato nacional, além, é claro, da obrigação de devolver o dinheiro desviado.
Finalmente parecia que o principal torneio seria realizado de maneira absolutamente regrada e em estrita observância das normas desportivas. A expectativa era enorme, porque o ambiente era de que uma nova era de austeridade se iniciava, onde os times e a torcida estariam seguros de um campeonato isento de qualquer interferência ou jogada ilícita.
Ledo engano. Simplesmente no mais abrupto tapetão, o time que tinha sido excluído teve todas as suas condenações anuladas e recebeu autorização para retornar à disputa.
Numa reviravolta sem precedentes, proibiu-se até mesmo a atualização do sistema de conferência das partidas pelo “videoassistant referee” – VAR, mantendo-se o sistema antigo, que ainda era somente utilizado por outras duas confederações no mundo inteiro, a de Bangladesh e a do Butão.
Jornalistas que cobriam todos os acontecimentos esportivos chegaram a ser presos, vídeos do atual campeão foram censurados, e como não bastasse, alguns empresários e admiradores do campeão de turno tiveram bens e contas bloqueadas, de maneira sumária e sem defesa prévia.
Porém, mais surpreendente, foi o final da estória. Ficou estabelecido que não havia nada a desconfiar em relação a esses peculiares acontecimentos, porquanto todos os que reclamavam na verdade eram divulgadores de “fake news”. O resultado do campeonato, com certeza infalível, refletiria somente a justa vitória do vencedor e nada mais.
Parece que realmente essa decisão derradeira foi a mais acertada, porque, afinal, sempre se tratou, com o perdão do nosso “Homero do Futebol” (Nelson Rodrigues), apenas de um jogo de futebol. No mais, as instituições daquele país longínquo estavam e continuaram funcionando perfeitamente...