Caminhando pela cidade

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 08/05/2022
Horário 04:30

Sexta-feira final de tarde. Resolvo seguir a pé do trabalho para casa. Anoitece e algumas estrelas começam a despontar no céu. A cidade parece uma colcha de retalhos que se sobrepõem à natureza que explode em verde nos terrenos vazios e rompe o silêncio com o burburinho do riacho no fundo do vale. 
Durante o percurso, curiosamente, não cruzo com nenhum ser humano. Apenas alguns gatos amedrontados e os insistentes cães de guarda que pensam controlar alguma coisa com seus latidos estridentes atrás das grades. As luzes das residências estão acesas. Talvez seus habitantes estejam ocupados com os afazeres domésticos. O fato é que não encontro nenhuma varanda com cadeiras convidativas ou vizinhos jogando fora uma prosa despretensiosa. 
Eu me esforço em caminhar pela calçada pública, mas existem muitos obstáculos pelo caminho: degraus no limite entre moradias, lixeiras gigantes, entulhos e restos de material de construção. A estrutura da vias públicas não é acolhedora. Imaginei a dificuldade de um cadeirante ou deficiente visual para circular pela cidade. É preciso caminhar pelas ruas, ainda que ao lado das sarjetas para diminuir o risco de atropelamentos. 
Não é que circulam muitos veículos pelas ruas da cidade. De fato, o maior número é de motoboys fazendo entregas de lanches (mais de dez deles em poucos minutos!). Também me chama a atenção, ainda que estivesse em um bairro residencial, a quantidade de anúncios de serviços, principalmente de revenda de cosméticos ou produtos alimentícios. Pois é... pensei comigo que a famosa “cidade dos automóveis” está se transformando na “cidade dos motoboys”. ˆÉ a chamada “uberização” decorrente da precarização do trabalho informal, flexível e por demanda. Cada um buscando sobreviver como pode nestes tempos tão difíceis, não é mesmo? 
Nem pense que a caminhada não tenha me feito bem. Quem quer imaginar como será o futuro é preciso percorrer a cidade a pé. A rua é um espaço de aprendizado feito por pessoas capazes de superar e de aprender diante das situações das mais adversas. O novo está sendo gestado na velha cidade e quem vai comandá-lo são os sujeitos que vem de baixo, agindo de baixo para cima. “Caminhando pela noite de nossa cidade....Acendendo a esperança e apagando a escuridão... Vamos, caminhando pelas ruas de nossa cidade... Viver derramando a juventude pelos corações... Tenha fé no nosso povo que ele resiste... Tenha fé no nosso povo que ele insiste!”. (Milton Nascimento). 
 

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