Hoje eu passei o dia cantarolando aquela música de Milton Nascimento e Fernando Brant: “Bola de meia, bola de gude”, lembra-se? Lançada em 1980 no álbum Sentinela, ela reflete a forte parceria da famosa dupla do movimento cultural “Clube da esquina”. Eu acho que essa música é uma espécie de “hino nacional” de todos nós, meninos e meninas que cresceram brincando nas ruas das nossas cidades. Amarelinha, brincadeiras de roda, pega-pega, esconde-esconde, pião, cinco marias, bolinha de gude e elástico… Para fazer a bola de meia, eu amassava uma folha de jornal velho para inserir dentro da meia, torcia a meia de forma apertada, dando o formato de bola e, com uma agulha e linha resistente, eu costurava as bordas de forma firme. Pronto, bora disputar o “campeonato brasileiro” no longo corredor lateral da casa da minha avó? E as competições de bolinha de gude, então? De uma distância de aproximadamente três metros, cada jogador tentava acertar aquelas bolinhas de vidro que eram encontradas em qualquer armazém em buracos que fazíamos com os dedos no chão de terra batida. Quem conseguia acertar ganhava uma bola de cada jogador e quem errava ia para o fim da fila. Ganhava o jogo quem conquistava mais bolas adversárias.
“Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração”, frase central da música não sai da minha cabeça. “Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão... ”, o que expressa a ideia de que, mesmo com o amadurecimento, o espírito jovem e sonhador ainda vive em cada pessoa, não é mesmo? Afinal, “há um passado no meu presente”, que me fala de coisas bonitas “que eu acredito que não deixarão de existir”. Amizade? Caráter? Alegria e amor? Solidariedade? Utopia? Ao mesmo tempo, a música também aborda a passagem do tempo e a busca por manter viva a esperança e os sonhos, pois “não quero viver como toda essa gente insiste em viver” e “não posso aceitar sossegado, qualquer sacanagem ser coisa normal”!
E lá vem aquele menino que me dá a mão “toda vez que a tristeza me alcança” porque “um solidário não quer solidão”. Que menino, Raul? “Aquele menino que mora sempre no meu coração”, responde a canção. Um menino, um moleque que nunca larga a minha mão, toda vez que o adulto fraqueja, quando bate aquela saudade, quando sinto a necessidade de mais simplicidade e desponta a esperança de manter a essência de quem somos. Quanta sensibilidade poética! “Há um passado no meu presente. O sol bem quente lá no meu quintal. Toda vez que a bruxa me assombra o menino me dá a mão”.