Banderona Ilha do Fogo

António Montenegro Fiúza

Vem-se ouvindo o kudi baxon, os coladores aproximam-se, cantando louvores e elogios, ao que são respondidos em coro, enquanto rufam e ribombam os tambores, nas mãos dos caxerus (ou tamboreiros); os elogiados agradecem, presenteando o grupo com dinheiro ou presentes; foguetes e fogos de artifício anunciam o início da festa, com estrondo e estrupido: começa, assim, a Festa da Banderona (bandeira grande, em crioulo de Cabo Verde) que se estende desde o último domingo de janeiro até às vésperas do carnaval.  
Posicionam-se o cordidjeru ou governador, quem tem o poder máximo para dirigir e supervisionar tudo e quem deve se manter sóbrio, ao longo de toda a celebração; recebe o auxílio do juiz, mais uma figura desta representação religiosa, quem também preside a nomeação ou votação, para escolher o festeiro do ano seguinte; e dos cavalheiros, detentores e fiéis guardiões das bandeiras, mas também mantenedores da paz, da ordem e da harmonia.
Esta que é a festa mais longa da ilha atrai anualmente centenas, senão milhares de pessoas, entre os naturais, emigrantes, turistas nacionais e internacionais. Toda a povoação de Campanas de Baixo é transformada num enorme santuário, para onde se dirigem todos: alguns, chegam pela curiosidade, pela vontade de conhecer e experimentar tão portentosa celebração; outros, aproveitam para apresentar a sua devoção e entrega, para pagar promessas ou para fazê-las.
Pela sua extensão e pela responsabilidade da apresentação da melhor festa ao santo, a festividade é organizada desde o ano anterior, nenhum detalhe ou pormenor é pequeno demais. A quem recair a incumbência, recebe-a como uma grande bênção, que honra, que privilégio, ser escolhido como aquele quem poderá, através das suas posses materiais e intelectuais, honrar o santo. 
Se, nos primeiros anos (ou quiçá, décadas) da Banderona, os festeiros sucediam-se por transmissão familiar, de pais para filhos, tios, primos e outros, cabendo a honra apenas às classes mais abastadas – uma vez que a organização da festa exigia um avultado investimento financeiro e de tempo; logo se entendeu que todos dela queriam participar, e tornar parte ativa, demonstrando a sua entrega e sacrifício, agradecimento e fé. 
De todas as ilhas de Cabo Verde, belíssimas pela raridade das suas paisagens e ambientes, esta especial celebração sincrética tem seu palco na Ilha do Fogo, ínsula fértil e de beleza rara, na qual coexistem esplendorosas vinhas e um vulcão ainda em atividade, expressando e retratando tamanha disparidade, numa completa harmonia: o sincretismo próprio do arquipélago, o sagrado e o profano, o cristão e o pagão, as preces e orações devotas e o dançar sensual dos corpos, ao ritmo da percussão. 
 

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