O sono ácido
As dívidas ao amanhecer
Trazendo náusea
Uma falsa ilusão
O amor perdido
Num café da manhã com pão dormido
A cerveja quente na geladeira sem luz
Um táxi lotação na espera
É mais um dia de esperanças
Deus no comando
O Diabo sorrindo
O estômago roncando de fome
O desemprego subindo
A raiva que nunca passa
Os olhos que nunca choram
O assovio do engraxate
Fazendo uma batida perfeita
Nos sapatos lustrados de alguém engravatado
O delirium-tremens de um alcoólatra
Tarântulas e ratazanas subindo em seus lençóis rasgados de fracassos
A garrafa de pinga vazia no chão sujo de um quarto escuro
A prostituta fazendo um homem velho ser jovem
O gol do craque do time de futebol
Enfeita a realidade cruel
Mendigos que já foram gente
Dormem nas ruas
Cobertos com folhas de jornais nos bancos de jardim
Nas calçadas de cimento ou prédios abandonados
Aonde que a minha vida deu errado?
Carolina acabou comigo
O amor não é para os covardes de afeto
Nada será como antes
O câncer que voltou
A mãe que chorou
O filho que se foi
O presidente que roubou
O juiz que vende sentenças
O delegado cansado
O policial vigiado
O bandido assaltou e matou
A luz da justiça opaca
A imprensa esconde a verdade
Satisfeita com as polpudas verbas
Mamam nas tetas nefandas
De um governo corrupto
O silêncio dos covardes
A liberdade atrás das grades
A impunidade livre, leve e solta
A corrupção chicoteando a democracia
Que país é esse?
A apatia dos justos
O desencanto dos sonhadores
A semente da ilusão vai renascer
Em todas as manhãs?
A luta do bem contra o mal
O amor e o ódio
São lutas eternas
Os pedintes nos sinais vermelhos
Os vidros dos carros fechados
O ar condicionado ligado
Com prestações atrasadas
Os juros altos
Os cartões de créditos estourados
Os banqueiros sorrindo
As pupilas dilatadas
As narinas ressecadas
As balas perdidas
Estourando corações inocentes
A descrença no sistema
A esperança perdida
Os sonhos sonhados
Não germinam mais no solo
Duro da realidade
A criança doente
A mãe desesperada nas filas das UBS
A solidão da velhice
Agarrado no passado
Um homem que não quer ser homem
A mulher que não quer ser mulher
As peles feitas de cores
Mas não há tinturas nos corações
Por que questões raciais?
O voto comprado
A miséria de muitos
É a felicidade de poucos
Até quando?