As sombras de  um fantasma

OPINIÃO - Luiz Euribel Prestes Carneiro

Data 09/09/2021
Horário 05:00

Como as sombras de um fantasma projetando antecipadamente sua chegada, a leishmaniose visceral vem se espalhando silenciosa e continuamente pelo Estado de São Paulo, particularmente no oeste paulista. Inicialmente se instalam os vetores (mosquito palha), ao mesmo tempo ou alguns anos após são encontrados os cães infectados (reservatórios) e por fim os humanos infectados (hospedeiro definitivo). Em 2020, 106 dos 645 (16,4%) municípios paulistas registraram casos de leishmaniose visceral humana. No oeste paulista, o mosquito palha foi inicialmente identificado em Dracena em 2003, cães e pessoas infectadas em 2005. 
Os dados são preocupantes, pois em 2019 o mosquito palha foi identificado em 35/45 (77,8%) dos municípios, cães infectados em 29/45 (64,4%) e humanos em 19/45 (42,2%). Em Presidente Prudente, sede e principal cidade da DRS-11, o mosquito palha foi identificado em 2003, cães infectados em 2010 e pessoas infectadas em 2013. Embora na cidade um grande número de cães infectados tenha sido diagnosticado desde 2003, existem poucos casos humanos. Até julho de 2021, haviam sido notificadas 11 pessoas.
Quais as principais causas para a rápida dispersão da doença na região? Recentemente, em um artigo publicado na revista cientifica PlosNeglected Tropical Diseases, uma das mais importantes do mundo, pesquisadores da Unoeste, Unesp, Instituto Adolfo Lutz, Sucen e Vigilância Epidemiológica de Teodoro Sampaio propuseram que fatores socioeconômicos como grande número de rodovias ligando regiões endêmicas como Três Lagoas (MS) e Andradina ao oeste paulista, baixo desenvolvimento econômico de muitos municípios e um número significativo de cidades sem centro de controle de zoonoses estavam entre as causas. Além disso, fatores ambientais como desmatamento, formação de grandes lagos artificiais, aumento da temperatura, solo arenoso e tempo seco no inverno e chuvoso no verão estão envolvidos.   
Em Prudente, um estudo publicado em 2019 em colaboração com a Secretaria de Meio Ambiente mostrou algumas regiões altamente vulneráveis para a leishmaniose visceral canina. A presença de depósitos irregulares de resíduos sólidos, os chamados “lixões clandestinos”, foi a principal associação para esses resultados. Essas regiões também são as mesmas que apresentam alta incidência de pessoas infectadas pelo vírus da dengue. Em Prudente, há uma verdadeira adoração, um culto ao lixo. Não é apenas na periferia, mas em locais centrais da cidade é comum a população eleger esquinas ou terrenos baldios para despejarem sofás, televisores, móveis, galhos de árvore, limpeza de jardins, transformando a cidade em um grande lixão a céu aberto. 
Apesar de todo esforço do poder público em propaganda de rádio e TV, cartazes e panfletos, a população ignora e finge que não é com ela. Graças ao excelente trabalho de órgãos como o Centro de Controle de Zoonoses e da Vigilância Epidemiológica na identificação de cães e casos humanos, o número de pessoas infectadas na cidade vem crescendo lentamente. Mas ainda há muito por se fazer, especialmente na educação continuada da população, o elo mais frágil da corrente.
 

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