Coisa inédita: teremos eleições este ano para as prefeituras e câmaras e o grande evento parece coisa sem importância. Compreensível. A Covid-19, esse bichinho invisível, joga todos os outros temas no baú do esquecimento. É claro que, um pouco mais adiante, o pleito estará na mesa dos candidatos, eis que se trata de construir a base do edifício político, composta por 5.570 prefeituras e cerca de quase 60 mil vereadores.
Será uma campanha mais rígida em muitos aspectos, a começar pelo fim das coligações proporcionais. O dinheiro mais curto exigirá campanhas objetivas, sem rodeios, equipes restritas, sem a parafernália das mobilizações do passado. A campanha encontrará um eleitor com posicionamentos diferentes da moldura tradicional.
A começar pela carga de sentimentos sofridos no desenrolar da pandemia que assolou o país. Todos, uns mais, outros menos, carregarão as marcas do susto, do medo, da angústia, da depressão, cujos efeitos impregnarão o nosso modus vivendi.
Como esta bagagem emotiva se fará presente no instante em que eleitoras e eleitores estarão diante da urna eletrônica? Provável resposta: escolher o perfil que melhor traduza o resultado da equação Custo x Benefício. Resultado que não significa dinheiro, bens materiais. Refiro-me a outro tipo de valor: qualidade, seriedade, zelo, preparo, disposição, compromisso, inovação, despojamento, simplicidade, modéstia, coragem, contra os velhos padrões, avanço.
Pobres, ricos, feios e bonitos, jovens e maduros, homens e mulheres estarão no tabuleiro, jogando com as pedras da mesma oportunidade. O que pretendo dizer é que, na campanha municipal deste ano, as desigualdades diminuem, elevando a probabilidade de vermos uma limpeza geral na galeria dos retratos que ali se veem há décadas.
E o que dizer? Primeiro, evitar o óbvio ululante, do tipo de promessas mirabolantes de grandes obras, essa tradição que sai de maneira artificial da boca de candidatos. O momento exigirá criatividade. Que significa encontrar formas simples, diretas, críveis, objetivas, para dizer as coisas. O candidato deve ter uma plataforma de conselhos de bairros e comunidades, maneiras de acionar frequentemente esse mecanismo, enfim, demonstrar que efetivamente quer administrar sob o princípio da democracia participativa.
No mais, ouvir o vento do tempo. Ele passa todos os dias por nós. Suave ou forte, exibe em nossos sentidos o retrato da emoção e da razão do povo. Meu saudoso pai, todos os dias, da calçada onde se sentava para conversar com os amigos, às 19h, aprumava o faro para sentir o jeitão do tempo. Olhava para o Nascente, via barras de cores nas nuvens, jogava sua impressão para os ouvintes e arrematava: “Amanhã, não, mas depois de amanhã vai chover. E fulano não é bom de voto”.