Há muito tempo a excelente revista Placar exibiu reportagem de capa com o título “O Animal precisa de carinho.” Referia-se a Edmundo, o irrequieto e temperamental craque que já havia brilhado no Vasco da Gama onde começou e no Palmeiras, onde mais se destacou. Edmundo a essa altura já descia a ladeira. Neymar está no auge de seus 25 anos. Daqui para frente dificilmente subirá mais e o que de melhor esperamos é que mantenha a forma para fazer pela seleção o que ainda não fez. Ao contrário de Edmundo, o problema de Neymar é de excesso de carinho. De certa maneira, família é tudo e Neymar tem na sua, o seu grupo mais seleto de apoio. Pelé teve também, embora de família mais humilde, o amparo de ter pai, mãe e irmãos ao lado. Com a diferença que aprendeu a morar sozinho em Santos quando veio de Bauru e só depois trouxe a família. Carinho de torcida foi o que nunca faltou em sua vida e é verdade que até os corintianos chegaram a aplaudi-lo, em raros momentos, em verdade em jogos da seleção. Pelé, porém, jamais pecou ou tomou o caminho errado por se julgar melhor do que os demais. Jamais vi Pelé driblar um adversário com a intenção de desmoralizá-lo. Driblava para abrir caminhos para o gol ou para privilegiar um companheiro. E não reclamava de nada, nem exigia coisa nenhuma. Conquistou na luta o direito de cobrar pênaltis ou faltas pelo mérito. Neymar já começou por cima. Houve o incidente com Dorival Junior e muitos outros. Inegável que Neymar quer ser dono absoluto do espetáculo e que gosta de driblar e sorrir em seguida com a ironia daqueles que se consideram os donos do mundo. Quando o Santos jogava em Ribeirão Preto contra o Comercial havia sempre o detalhe que narro: Piter, zagueiro do Comercial era um guarda roupa que batia sem dó nem piedade – tinha esse nome em homenagem a um inglês que dirigia a fazenda onde seu pai puxava enxada e que era, evidente, Peter e não Piter como o cartório registrou. Pelé entrava em campo e ia diretamente abraçar Piter e saudá-lo: “Você é o meu mais difícil marcador, grande Piter. Um dia ainda jogaremos juntos”. Piter abria um sorriso de trocentos dentes e amaciava na marcação ao Rei. Só por aí vocês podem estabelecer as diferenças entre os dois, nem é preciso dizer que Pelé foi muito superior tanto a Neymar quanto a Messi e a quem mais você quiser citar entre os maiores jogadores do mundo. E olhe que vi quase todos na cor e no vivo. Neymar é um craque, sim, mas ainda tem muitos sacos de feijão para comer e digerir. Principalmente se colocar no prato um pouco da humildade. Que sobrava em Pelé.