Amigo, um outro eu

OPINIÃO - Leonardo Delatorre Leite

Data 30/06/2021
Horário 04:30

No livro "Ética a Nicômaco", o filósofo grego Aristóteles reitera a imprescindibilidade da amizade (amor Philia) na construção dos valores de uma vida virtuosa. Nesse sentido, o pensador supramencionado afirma que a relação genuína, ou seja, desinteressada, entre duas pessoas as quais desejam o bem, de forma mútua e recíproca, é necessária para a dimensão holística da felicidade. Ademais, toda a teoria ética, desde a filosofia antiga até a sabedoria contemporânea, frisa o papel nevrálgico da amizade no bem-estar integral da pessoa. 
Em vista disso, Santa Teresa de Jesus, uma das maiores expoentes da teologia mística católica, escreve: "A amizade é a mais verdadeira realização da pessoa". Segundo muitos filósofos, a importância atribuída a esta espécie de amor se deve, sobretudo, à própria condição ontológica do ser humano, enquanto um animal sociável. 
Em meio aos problemas e angústias da vida, os indivíduos buscam, de forma inequívoca, uma espécie de amparo aos sofrimentos cotidianos. Como a sociabilidade é um dos traços distintivos e marcantes do ser humano, tal procura é suprida, em grande parte, pela companhia de outrem, cuja presença traz um sentimento de esperança e pertencimento. Destarte, a amizade consiste na intimidade, na virtude, no companheirismo e na superação mútua das angústias, pois o amigo auxilia em tempos de tristeza e desamparo. 
Diante do exposto, percebe-se que a relação de amizade é indispensável na construção de uma vida plena, pois o chamado "amor Philia" potencializa a felicidade em tempos de alegria e favorece a esperança, mesmo em meio à conjuntura mais ignóbil. Ademais, o companheirismo expressa a beleza que há nas qualidades mais sutis da humanidade, já que representa a magnanimidade que existe na união entre duas pessoas virtuosas que buscam o bem, ainda que, para tal, precisem superar as mais tenebrosas adversidades e instabilidades. 
Nesse sentido, dizia Santa Teresinha de Lisieux: "Faz-nos tanto bem, quando sofremos, ter corações amigos, cujo eco responde à nossa dor.” Portanto, a amizade consiste na negação do interesse próprio em prol da felicidade da pessoa amada. 
Sob o mesmo ponto de vista, São Tomás de Aquino afirma ser o amigo “um outro si mesmo”, ou seja, um outro "eu". Tamanha é a intimidade existente na amizade que as pessoas envolvidas nessa relação representam uma unidade num todo harmônico, pois ambas almejam o bem uma da outra, concentrando, assim, as ações num único fim. Diante disso, é importante ressaltar que o amor típico desse relacionamento não termina com a distância, pois permanece na memória particular, na própria essência da individualidade.  
Em virtude dos fatos apresentados, percebe-se o caráter imprescindível da amizade, cuja dimensão holística auxilia na construção de um propósito de vida digno e virtuoso. Por fim, somente através da convivência com pessoas verdadeiramente comprometidas com os elementos genuínos do amor é possível o progresso na autêntica amizade e, por conseguinte, na felicidade integral. Conforme ressalta Santo Agostinho: "A amizade é tão essencial quanto a própria vida”.
 

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