“O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatá-los”. A verve do Barão de Itararé cai bem nesse momento em que o país desaba no despenhadeiro de uma pandemia que já ceifou a vida de mais de 375 mil pessoas. Como desatar os nós? Eliminando o amadorismo, a improvisação e a falta de planejamento, fatores que entopem os vãos e desvãos da administração pública.
Por aqui, a meritocracia, instrumento adequado para oxigenar, qualificar e expandir a produtividade na gestão, é substituída pelo QI das indicações partidárias, grupais e pessoais, contribuindo para inchar estruturas, expandir a inércia e as teias de interesses escusos. Não por acaso, já tivemos 24 trocas de ministros, em dois anos e três meses, entre os quais quatro na área da saúde, afora as centenas de cargos preenchidos sob o tacão da politicagem.
Vamos ao ponto. O país precisa acabar ou restringir ao máximo os milhares de cargos comissionados, substituindo-os por uma carreira de Estado, à semelhança do que existe em sistemas parlamentaristas, nos quais quadros permanentes, qualificados e motivados são imunes às crises políticas. Mudam-se os dirigentes, mas as equipes continuam comandando a gestão pública.
Por aqui, o tal presidencialismo de coalizão submete o Poder Executivo aos reclamos da base parlamentar governista, e esta, com errática mentalidade na indicação de seus ocupantes, acaba sedimentando um modus operandi espelhado em uma visão, e não as necessidades sociais. O fato é que o representante eleito se considera dono de um pedaço do poder, restando-lhe, assim, um naco na partilha. Não se sujeita à ordem do mercado nem às leis da livre concorrência, como ocorre na iniciativa privada.
Ora, de uma burocracia comprometida com o mérito são cobrados resultados dentro de metas preestabelecidas, reconhecidas as qualidades dos perfis, sob um modelo de premiação e promoção para motivar equipes. O que falta para se fazer isso? Vontade política, liderança da autoridade maior, capacidade de articulação, um pacto entre os Poderes com vistas à instalação de uma nova burocracia. Não será fácil.
Um dos papas da ciência política, o sociólogo Alain Touraine, em seus estudos, prega o aumento da capacidade de intervenção do Estado como forma de um país atenuar as desigualdades. O Estado tem sido fraco para debelar as mazelas. Por causa disso, os governos agem no varejo, trabalhando no curto prazo, com o presidente praticamente se limitando a fazer agrados e benesses para operar a administração. A análise do professor, nesses tempos de economias interdependentes, é um hino de louvor às utopias. Estado forte, por aqui, tem sido sinônimo de autoritarismo, arbitrariedade, estrutura burocrática gigante e ineficiente.
Como encolher o Estado com uma estrutura paquidérmica, dando-lhe capacidade de planejar a longo prazo, sem reformas capazes de deflagrar novos costumes e consolidar as instituições? É evidente que sem quadros formados e adequados, qualquer reforma fenecerá. O fortalecimento das áreas de formação, reciclagem e aperfeiçoamento de recursos humanos, voltadas para a operação do Estado, deve ser prioridade. As ideias parecem consensuais entre grupos de bom senso. Por que não se aplicam? O círculo vicioso da política gira trocando figuras e mandos, não o sistema. Mas há brechas para avançar.
Produtividade, eis o conceito de comando. Menos discurso, mais ação. O Brasil lidera o ranking mundial em matéria de fabricação legislativa. Temos milhares de leis federais, milhares de decretos-leis, mais de 1,5 milhão de atos normativos e centenas de resoluções da Câmara e do Senado, com validade de lei, além das medidas provisórias. Dá para lembrar o chanceler Bismarck (1862-1890): “se as pessoas soubessem como se fazem as leis e as salsichas”, possivelmente não cumpririam as primeiras nem comeriam as segundas.