Ainda...

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 04/10/2024
Horário 05:30

Eu tinha 16 anos em 1968. O mundo já tinha chorado a morte do presidente americano, John F. Kennedy.  Morando em Presidente Prudente, a aldeia sagrada, não sentia o peso desse mundo caótico. A inocência ainda morava ao meu lado. Desconhecia o mundo político. O meu mundo era jogar conversa fora sentado no "murinho" da Avenida Washington Luiz com os amigos. As conversas começavam no final da tarde e varavam a madrugada. Era em frente de casa. 
Certo dia, já na madrugada, meu pai abre a janela do seu quarto, que dava de frente pra o murinho e fala para a vagabundagem presente com seu espírito livre: "Fecharam algum negócio ‘bão’ aí? Meu primo, Celio, ri até hoje quando se lembra dessa humorística fala de meu pai. A deliciosa sombra da jaqueira será sempre inesquecível como os amigos, Alceu Macuco e Nelito (in memoriam). Eu só queria jogar futebol e cantar sambas de Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Martinho da Vila e Noel Rosa. 
Ainda me lembro, eu e meus irmãos ouvindo Fairuz, uma excepcional cantora de origem libanesa, considerada a voz do oriente, na pequena sala onde morávamos e vendo minha mãe dançando o Dabke, importante dança folclórica da Palestina, Líbano e Síria. Minha mãe era muito graciosa para dançar. Somos descendentes de sírio-libaneses. 
Enquanto o líder estudantil, Daniel Cohn-Bendit, liderava 10.000 mil estudantes em Paris das Universidades de Nantarre e Sorbone lutando contra o conservadorismo, clamando por liberdade e desejando pum mundo mais igual, eu estava enamorado pela Gugu (in memoriam). O mundo perdia grandes líderes como Martin Luther King e Bob Kennedy, assassinados pela intolerância e eu preocupado com o meu Corinthians que iria enfrentar o lendário Santos de Pelé. Será que vamos quebrar o tabu dessa vez? Não aguentava mais as gozações das malditas segundas-feiras na escola. 
As meninas do mundo estavam tomando pílulas anticoncepcionais, vivendo o sexo sem culpa, drogas e rock an roll, enquanto eu vestido de coroinha na missa das 18h na Catedral, balançando o sininho, respirando incenso, um lembrete da presença odorífera de Nosso Senhor, ouvindo com uma cara de santo, o padre José dizendo no silêncio dos fiéis: "Eis o mistério da fé". Ainda é a frase de teor religioso que mais gosto. Acho tão enigmática. 
Os jovens de 1968 queriam fazer história, serem protagonistas, mudar o mundo e eu só queria receber um passe mágico do amigo Tiago Marcondes marcar um gol com a camisa 8 e sentir como Pelé socando o ar como se estivesse passando a mão no céu,. O mundo assistia em preto e branco a Guerra do Vietnã, as bombas de Napalm explodindo na Indochina e o movimento hippie nascendo a 5000 mil milhas da morte. Eu ligado nos festivais de música da Record. Um cara feio pra caramba, de nome Caetano Veloso, chamou minha atenção com a música “Alegria, Alegria”. Depois achei mais estranho ainda um som de um instrumento elétrico de nome guitarra de um grupo chamado Mutantes que, junto com um cara barbudo, Gilberto Gil, cantavam “Domingo no Parque”. Que música, que letra diferente. 
Passou um tempo, estava em São Paulo fazendo Faculdade de Psicologia e fui ao Teatro Bandeirantes assistir o show “Falso Brilhante”, com Elis Regina. Um show que quebrou todos os paradigmas. Um marco para a música brasileira e uma transformação cultural, musical em minha vida. 
Sai de lá abismado, apaixonado por uma música, "Como nossos pais", de um tal de Belchior. Hoje já não sou mais um jovem, mas meus ídolos ainda continuam os mesmos. Ainda continuo ouvindo Belchior que ainda me  faz pensar e fico filosofando ao som de “A Whiter Shade of Pale de Procol Harum”, que ainda me faz sonhar. A voz de Pelezinho dos lendários Sombras ainda me faz sentir saudade. Vamos cantar essa linda música composta pelo Júlio Junior dos Sombras:

"Olha a menina
Veja como é linda
O céu cheio de estrelas
Nesse mar sorrindo
De quem é esse mar
É seu
De quem é esse céu
Também é seu
Só falta você saber amar
Então você verá 
O mais lindo dos céus
Nesse seu lindo olhar"... 
Ainda me emociono.

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