Costumo dizer que fomos salvos pela universidade pública. Nascidos no interior paulista, em uma cidade pequena e em uma família de imigrantes de origem rural, as únicas luzes da civilização a que tínhamos acesso eram aquelas que vinham da escola pública, da biblioteca pública municipal e quem sabe, dos poucos canais de televisão então disponíveis. Cultura só na acepção antropológica do termo e o horizonte de expectativas que então se projetava não era nada promissor para nós.
Quando meu irmão mais velho ingressou na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara para cursar Ciências Sociais, em 1993, eu pouco entendia o que significava a universidade pública. Primeiro da família a se tornar um acadêmico, em todas as gerações precedentes, via o grande esforço dele e da minha mãe para que ele pudesse estudar, com dificuldades financeiras e muitas provações. Com o tempo compreendi a ascensão social que aquilo significava. Seu exemplo foi seguido por seus amigos, que também ingressaram em universidades públicas.
Mais tarde foi a vez do meu irmão do meio, que também ingressou na Unesp para cursar História, na distante Franca, ainda em 1997. Para famílias da nossa classe social, a licenciatura representava um horizonte de expectativas completamente promissor diante das condições sociológicas que estavam colocadas. Com mãe professora, formada no magistério, a exigência para a dedicação aos estudos vinha dela, à revelia de nossa rebeldia. Mais uma vez, meu irmão do meio foi seguido por amigos próximos, que também entraram em universidades públicas.
Em 2000, ingressei na UEL (Universidade Estadual de Londrina) para também cursar História. Naquele momento, já entendia que meu futuro dependia da universidade, mas não dimensionava ainda o quanto ela mudaria minha vida, do ponto de vista não só sociológico, mas também do ponto de vista ontológico e existencial. Me apaixonei perdidamente, logo nos primeiros meses, por tudo aquilo que ela me oferecia. Nunca mais a deixei e só posso ser grato à sociedade pela formação que recebi. Meus amigos e primos fizeram o mesmo. Fomos todos salvos pela universidade pública.
O que nela encontrei, além da profissão, foram as luzes da civilização que minha origem social impedia com que acessasse plenamente. O conhecimento de forma incondicional, o saber que humaniza, a arte que inspira, a reflexão que desconcerta e a crítica que destrói as falsas verdades, a ciência, a literatura e a informação, enfim, a humanidade universal que a palavra universidade representa. Contudo, é certo pensar em como ainda é elitista tudo isso que escrevo.
A universidade pública brasileira nasceu para poucos e vem mudando muito nos últimos anos, com acesso cada vez mais democrático e inclusivo. Entretanto, ainda são milhões de brasileiros que não podem contar a história que conto. Por isso que a democratização do acesso e a ampliação das políticas de permanência são urgentes para que universidade pública possa salvar todos nós, incondicionalmente.