A solidão do Porto

OPINIÃO - Ricardo Garcia

Data 15/11/2020
Horário 09:30

O Porto é a cidade onde repousa, na Igreja da Lapa, o coração de Dom Pedro IV - o mesmo que proclamara a Independência do Brasil. Foi arrancado do seu peito, por ordem sua, para vir morar aqui, a conclusão de uma história de amor que nasceu na guerra. Aquartelado na cidade, Pedro IV defendia o trono de sua filha, Dona Maria, contra a tentativa de usurpação por parte de seu irmão, Miguel. Em causa, estava ainda a monarquia liberal, que Pedro defendia e o absolutista Miguel abominava ao querer o trono. A cidade é milenar, descende dos celtas. Foi palco não só da defesa da liberdade na monarquia mas também da revolta que fez com que a Família Real voltasse do Brasil, em 1820. E foi onde se iniciou o movimento que depôs Dom Manuel II, o último rei, e proclamou a república, há um século.

Esse Porto mágico, começou a desaparecer em março, quando as duas primeiras vítimas fatais da Covid-19, em Lisboa, anunciaram outros tempos. A doença se alastrou rapidamente e as fatalidades começaram a incomodar, a preocupar, a assustar. O primeiro confinamento foi decretado em abril e se estendeu até maio. Foram 50 dias em que o Porto parou. O governo socialista obteve o apoio de todos os partidos, dos comunistas aos fascistas, e a unanimidade inspirou a população, que se recolheu. 

Em junho, pouco a pouco as portas começaram a se abrir. As cores da primavera pintaram de novo a cidade, as praças, os jardins, as árvores, os lugares, os bares e restaurantes se prepararam para receber os turistas nas férias de verão, em julho e agosto. Férias necessárias para reativar a economia e elevar o moral de todos. Alguns poucos casos novos, nada preocupante, começaram a surgir, mas o monstro estava domado.

As férias trouxeram milhares de turistas, que chegaram contaminados e a pandemia mostrou de novo sua força. Primeiro, os holandeses em Lisboa, escandalizando o país com seus ajuntamentos e festas à beira d’água. Depois, os alemães, belgas, brasileiros, espanhóis, italianos, ingleses, toda a gente afluiu a Lisboa e ao Porto, e as duas cidades lideraram a segunda onda da pandemia. Mais forte que a primeira, com mais contaminações diárias, com mais mortes todos os dias, batendo recordes a cada dia.

O verão e a temporada encheu novamente o Porto, e esse montante foi desaguar nos hospitais, cuja capacidade de internamento está próxima de esgotar.

Desde segunda-feira o país está sob estado de emergência, com restrições aos direitos de ir e vir, atividades presenciais, aulas novamente a ser suspensas, mas não há mais unanimidade. As centrais sindicais divergem, assim como os partidos, o governo os empresários... a população diverge. O Porto esvaziou-se novamente. Até quando só se saberá nos próximos dias. A ponte sobre o Douro está vazia. Se o surto não for contido ou for pouco contido, não haverá Natal, não haverá a alegria da passagem de ano.

As ruas históricas estão vazias. A noite está vazia. O Porto está doente, triste. Sozinho. 

 

 

 

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