A seca

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 07/09/2024
Horário 05:00

O clima está seco, assim como seco estão nossos corpos feitos de água. A secura do clima leva à secura da alma. Sente-se o corpo sem água, o nariz que arde ao respirar, o pulmão que sofre ao inalar a fumaça e a secura que nos rodeia. Da janela, o cenário distópico já se faz presente, a feia fotografia, o ar pesado e cinza da fumaça e da secura do ar. São recordes a ausência de chuvas nesse 2024. 
O tempo seco da atmosfera me faz pensar em outras formas de ressecamento. A pós-modernidade líquida de Bauman terá de ser substituída por outra analogia capaz de lidar com a desidratação coletiva que temos vivido. O clima seco das relações humanas cada vez mais distantes, o clima seco de afeto pessoal e coletivo. A secura da violência cotidiana contra tudo e contra todos. Secos estamos de perspectivas presentes e futuras enquanto sociedade. 
As ideologias políticas secaram como estão secando as nascentes dos rios. As utopias parecem ausentes e as veredas antes cheias de ideias agora jazem vazias e secas. Sonhar com a social democracia é sucumbir ao clima seco da falsa distribuição de renda. Viver os governos da extrema direita é experimentar o deserto de ideias e projetos que nos tragam a água de volta. Enquanto alguns lagos transbordam, outros estão secos de comida, educação e futuro. 
Inventaram a seca do Nordeste como uma identidade que inferiorizou a riqueza daquela região do país. A literatura da seca, tão pródiga e criativa, colocou as vidas secas lá, quando na verdade a secura está em todos os lugares. O Estado mais rico da nação corre risco de desertificação e sua relativa riqueza fará da água um bem comercializável, com ativos na bolsa de valores, lucro líquido e vidas secas. 
O relógio regulatório do clima do Atlântico corre sério risco de colapsar. As correntes do golfo, que distribuem o calor dos trópicos para os extremos polares do planeta parecem perder força e seu colapso pode ser eminente. Se isso ocorrer agora, o Estado de São Paulo vai conviver com a seca como sua nova identidade. A distopia não é apenas para amanhã, é para ontem e para hoje, pois a experimentamos aqui e agora. 
Como ser otimista diante da fumaça que chega de madrugada e deixa o cenário ainda mais desértico? Não existe ar condicionado e umidificador para o mundo, nossas casas são refúgios passageiros e é lá fora que a vida pulsa. O deserto de vida, de novas ideias, de novas possibilidades. O pior é que agora todos parecem reconhecer que algo vai mal no clima do planeta. Afinal, experimentamos isso em nossos corpos e almas e a consciência do problema traz assombro e desespero.
De quem é a culpa do Antropoceno? É do homem, o prefixo o indica. Mas o homem só consegue realizar a destruição que provocou ao planeta movido pela máquina capitalista, conceito deleuziano que indica a onipresença do capital e ânsia de lucro em todas as esferas da existência. A secura é culpa da máquina capitalista operada pelas mãos humanas da ganância. O capital destruidor vai criar a solução para a seca, mas cobrará caro por isso, afinal a Sabesp é deles!
 

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