A politização da pandemia

OPINIÃO - Gaudêncio Torquato

Data 15/07/2020
Horário 04:56

Cada coisa em seu lugar. Ou, em outros termos, cada macaco em seu galho. A popular expressão aconselha que cada pessoa deve exercer o que é de sua competência, fazer o que é de sua atribuição, sem mexer em coisas que desconhece. O conselho cai bem nesses turbulentos tempos em que a Covid-19 foi puxada das salas da medicina para o palanque político. A pergunta é inevitável: permanecesse no campo da ciência, esse mortífero vírus teria matado tanta gente, aqui e alhures? Caso os governantes tivessem adotado as recomendações de especialistas, esse vírus, que mede bilionésimos de um metro, teria infectado mais de 13 milhões de pessoas no mundo e matado até agora cerca de 600 mil pessoas?
Para ficarmos em nossas plagas, se o presidente Jair Bolsonaro não fosse uma das principais alavancas da politização da pandemia, se governadores e prefeitos tivessem adotado medidas tecnicamente necessárias desde os tempos iniciais da crise sanitária, concentraria o Brasil 14% dos diagnósticos do planeta, com 1,7 milhão de infectados e cerca de 73 mil mortes? A resposta de bom senso apontaria para uma quantidade bem menor. O que leva à conclusão: a falta de cumprimento de preceitos da ciência por parte dos gestores públicos tem sido responsável pela mortandade que se espalha.
O fato é que a doença foi conduzida aos laboratórios da política, em que dirigentes tentam descobrir remédios para tirar proveito da situação, em que se indicam drogas rejeitadas por organismos internacionais de saúde pública, infectologistas e biólogos, em que muitos vestem o manto de salvadores do povo, em que se puxa a fé das massas para o balcão das oportunidades. Receitar a tal da hidroxicloroquina ou o vermífugo ivermectina, apenas com ligeiras indicações de que são remédios potencialmente fortes contra o vírus, sendo que em relação ao primeiro há consenso sobre graves danos colaterais, não é um ato de insanidade, desrespeito às recomendações científicas, irresponsabilidade no trato da saúde pública?
As massas tendem a imitar as práticas de seus líderes. Se o presidente da República toma ele mesmo a droga não recomendada por organismos internacionais, por que não devemos fazer o mesmo? Milhares de pessoas assim pensam. Pior ainda é deduzir que muita gente poderá morrer sob os efeitos deletérios do remédio. Por isso, a orientação sobre prevenção, os hábitos de higiene, a quarentena e a reabertura cuidadosa das atividades comerciais, entre as principais medidas, integram o circuito do bom senso. Até surgir a tão esperada vacina, quaisquer outras iniciativas entram no buraco negro da especulação.

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