A música “Inverno”

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 13/12/2024
Horário 05:30

Mulher Maravilha está em Rondonópolis. Foi passar uns dias com minha filha Luiza, nossa amada neta Isabel e com o nosso genro de ouro, Milan. Só vejo eles uma vez por ano. Mas estão felizes e a saudade faz parte de quem tem alguém para amar. A saudade sempre abre um caminho para voltar. Vou experimentando a solidão com minha cachorra Amora, grande parceira de todos os momentos. 
Sento para tomar meu café da manhã. Amora chega perto abanando o rabo. Já sei o que ela quer. Adora um miolo de pão com manteiga. Me lembro de uma música chamada “Inverno”, do poeta Antonio Cícero (in memoriam) e Adriana Calcanhoto. Procuro no YouTube e começo a escutar. Antônio Cícero era irmão da cantora Marina. Um baita poeta e letrista que o Brasil pouco conhece. Grandes sucessos ele compôs que sua irmã imortalizou na sua voz charmosa. Essa música me fez lembrar os dias em que fui mais sozinho. Ela vai me levando aos meus tempos de baterista. Os anos mágicos da época dos anos 70.  
Lembro da madrugada onde saí do trabalho do bar que eu tocava. Quis caminhar sozinho, com minhas baquetas. Fui subindo a Rua da Consolação em São Paulo, sentindo a garoa, sob um céu nublado sem estrelas para ver e sem a luz pálida da lua para iluminar os meus passos. Lembro das  mulheres que ganhavam suas vidas vendendo seus belos corpos. O prazer é fugaz. O amor é eterno. Entrei em outro bar e fui escutar jazz. Várias frases estavam escritas na parede desse bar. Uma delas me chamou a atenção: "Não confunda meus medos com meus cuidados". A frase era de Geraldo Vandré. 
Me lembro da saudade refletindo nos olhos de meu pai vendo o avião que estava minha irmã Mariza sumir no horizonte. Ela estava indo para os Estados Unidos. Meu pai tinha muito orgulho dela. Os filhos são do mundo. Vou escutando essa lírica música e o poema “O Corvo”, de Edgar Alan Poe, aparece. Ele retrata o conflito entre lembrar e esquecer na emblemática frase repetitiva do Corvo, "Nevermore". Leio um comentário de um cara que foi para a Ucrânia e que fala que a única conexão que ele tinha com o Brasil era essa música “Inverno”. Vou navegando em seus belos versos e lembrando dos dias em que fui mais sozinho. 
Ainda bem que um dia conheci a Mulher Maravilha. Ela me deu um caminho para seguir. Só estou agradecendo essa música que me faz lembrar que caminhei um longo caminho para chegar onde estou, não mais sozinho. Meu tempo não me permite mais perder tempo com a incompreensão dos tolos e muito menos com coisas banais. Infelizmente o poeta Antonio Cícero sofria da terrível doença de Alzheimer. Sua vida estava insuportável e ele foi para a Suíça onde é permitido a eutanásia assistida. Sua vida se transformou numa solidão e dor constante. Adriana Calcanhoto escreveu: "Durma bem, meu príncipe".

“Inverno”
No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei
Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois
Pouco antes do ocidente se assombrar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois
Pouco antes do ocidente se assombrar
No dia em que fui mais feliz
 

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