Descobri que me sinto mais confortável para escrever no silêncio da noite, especialmente aquelas cuja a escuridão é cortada pela claridade da lua que domina o céu lá fora. Aquelas vozes longínquas e o diálogo insistente dos cães dos vizinhos me inspiram a imaginação. Subitamente me vejo em frente ao meu oceano onírico em cima de um gigantesco rochedo que não se cansa da luta incessante contra as ondas do mar. Elas não desistem nunca?
Observo que tal confronto não é tão ruim assim. As ondas batem forte, mas em seguida acariciam as fendas e entranhas do rochedo com seu imenso manto de espuma que, delicadamente, desaparece. Daí o ciclo começa novamente... O poderoso oceano respira bem fundo e inicia a luta contra o rochedo. Gigantescas ondas se arrebentam na parede rochosa que se mantém passiva diante de tamanha afronta. “Que noites eu passo, aqui no rochedo... na borda do mar/inquieto e aflito... com frio e com medo”, diz o trovador das famosas modinhas imperiais... E como numa ciranda, tudo se transforma ao redor da rocha. A minha voz na voz do vento. A espuma do mar em espécies de bolinhas de sabão. Seria a rocha inerte diante do mundo em transformação? O que significa a palavra transformação?
Desafio você tentar explicar o que é a transformação. Não será fácil encontrar um significado comum a todos. Os geocientistas diriam: “Transformação ocorre quando algo observado se apresenta diferente daquilo que era quando da observação anterior”. Mas eu estou sentado no rochedo a noite inteira. As coisas que estão à minha volta mudam constantemente, mas insistem em voltar para o mesmo lugar. Onde está a transformação? Bem, nem sempre as transformações são tão óbvias a ponto de um menosprezível ser que sou possa reconstituir o que acontece ao meu redor. Trilhemos por uma série de outras relações existentes nesta silenciosa, mas onipresente essência do ser: o processo de transformação.
O ser da rocha é o incessante tornar-se outro por um conjunto de processos mecânicos e químicos que provocam a sua decomposição e desintegração, seja pela dilatação e contração de seus minerais constituintes ou pela reação da água em suas paredes e fissuras por diferentes soluções de lixiviação (extração de constituinte químico através da sua dissolução). Os agentes de erosão (vento, marés) completam o serviço, deslocando os fragmentos rochosos e minerais que serão depositados em outras áreas. E aquilo que nos parecia imutável cede aos desejos das ondas e se transforma no outro. É o ser da rocha. É a metamorfose.