A insensibilidade do hábito

O hábito torna-se um ato ou comportamento que nos leva ao automatismo. São repetições frequentes no dia a dia. Reflexões, pensamentos, observação ou elocubrações são dispensadas diante dos gestos habituais. A rotina do dia a dia nos leva a uma banalização muitas vezes, insana. Deixamos de dar importância, valor e relevância às pequenas habilidades corporais que podemos realizar, como por exemplo, levantar-se de uma cama naturalmente, dispensando apoio de outra pessoa. Dormir tranquilo, podendo virar do lado esquerdo ou direito o tempo todo é algo mágico, já imaginou? Atualmente, para muitos, a insônia persiste. O sonho é o guardião do sono. Só sonha, quem dorme. O ser humano perturbado, saturado de ideias, preocupações e angústias, não pode dormir. Portanto, não pode sonhar, brincar, criar, aprender, simbolizar, fantasiar e relaxar.
Há pessoas que, de tão aceleradas, mecânicas e operativas, não distinguem se estão dormindo ou em vigília. Para elas tanto faz. Poder dirigir um automóvel, rumo à liberdade, é magistral. Já refletiram sobre essa complexidade toda? Esses dias, vindo para o consultório, parei o carro no sinaleiro, atrás de um aprendiz na autoescola. Ele “afogou” o carro três vezes. Imaginam a tensão dele. Daqui a pouco, torna-se hábito para ele, dirigir carro. Como é difícil a habilitação ou qualificações subjetivas, exigidas para nos tornarmos prontos. Estamos prontos de maneira perfeita? Poder andar sem auxílio do outro, correr, poder sentar-se, plantar uma árvore, agachar, enxergar, ouvir e falar, que dádiva! 
Hoje observo os adolescentes por aí e os vejo sem condições de olhar nos olhos do outro. Será que a gratidão se tornará uma virtude ultrapassada? Cada vez mais, acredito que ser submetido às frustrações desde a tenra infância é o segredo para criar pessoas, essencialmente, vivas e sensíveis às coisas mais simples. Pensei que a pandemia da Covid-19 fosse provocar reflexões mais sérias relativas ao verdadeiro valor ou sentido da vida. 
Passei por uma cirurgia agora em julho, nada grave. Estou muito bem, e muito sensível ao mesmo tempo, sobre o valor dos pequenos hábitos e pequenos gestos. Precisei de auxílio constante para levantar-me, tomar banho, caminhar, dirigir, deitar-se, vestir-me, enfim, sou grata, eternamente grata, por conseguir realizar tudo isso. E no dia a dia, banalizamos tudo e não nos satisfazemos com nada. Para onde vamos, qual é o nosso destino? 
O advento das mídias sociais desencadeou um fenômeno de distorção muito grande em relação aos aspectos emocionais e subjetivos. O que poderá nos sensibilizar? Acabamos de assistir as enchentes no Rio Grande do Sul, a maior catástrofe climática da história do estado. O povo solidário enviou muitas contribuições. E ainda assim, teve atravessadores cometendo crimes. O acidente ocorrido em Vinhedo com a queda do avião, matando tantas pessoas com muitos sonhos e metas e de uma maneira trágica. E no dia seguinte, muitas pessoas receberam mensagens, e-mails estranhos de “pseudo-parentes” das vítimas, pedindo dinheiro. Para onde caminhamos?
 

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