A infância da Bibi

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 27/07/2024
Horário 04:30

Eu mesmo nunca tive apreço por galinha, pelo menos, não como animal doméstico, nesse ponto, sou daqueles ortodoxos, à moda antiga, animal doméstico é cachorro e gato, da porta para fora, sem direitos parentais, como os atuais pets que até à escola vão. Ser pai de cachorro nem pensar e eis que agora fui chamado de avô de galinha. Bem, às vezes chamo de galinha, outras vezes de passarinho, mas o fato é que temos uma pintinha em casa, amarelinha e de nome Bibi. 
Na condição de avô da Bibi, é natural que ela tenha mãe, minha filha, no caso. Com 11 anos e alguns meses, a não tão pequena assim se despede da infância a passos largos e quando veio o pedido para que pudéssemos ficar com Bibi, pensei, bom, talvez seja uma boa oportunidade para que ela tivesse, como todos queremos, um último lampejo para curtir esse momento brincando ser mãe da galinha, quer dizer, da pintinha. 
Galinhas não cheiram bem, sobretudo quando grandes e molhadas, um horror. Além do mais, o claro parentesco com dinossauros também não é lá um bom adjetivo e sua aparente falta de inteligência, com aquela cabecinha pequena, sempre me fez desconfiar desse bicho. Mas a Bibi, tadinha da Bibi, é tão carinhosa, pia o tempo todo e fica desesperada quando a deixamos sozinha. Ela segue a mãe dela em todos os lugares e parece ter um afeto sincero por nós, pela Pi, pelo menos, ela tem. 
Acontece que temos gatos, dois, bons caçadores por sinal. Pepi, o amarelo de patas grossas, um lorde de tão educado, o que não o impede de caçar pombinhas, apenas por esporte, nunca por necessidade. O outro, Escuridão, já não sei se nos pertence, pois nunca está em casa, só aparece para comer e de vez em quando ainda. São felinos e viram na Bibi presa fácil. Precisamos arrumar a sacada pra Bibi levar sua vidinha em segurança, regada a água, ração, afagos e cocôs, muitos, inúmeros, talvez uns cinco montinhos por hora. Pintinhos sabem como viver, pensei. 
Desde o início achei que não seria boa ideia, mas cedi, pensando na infância e na sua beleza que aparenta ser eterna, amor e carinho gratuitos ao pequeno animal, devolutivas em forma de pios, pulinhos pela casa e pequenas tentativas de alçar voo. Amarelinha, cabecinha bonita, pés feios, de dinossauro. Fazer o quê! O problema são os montinhos de cocô. Combinamos, sou criança, mas sou responsável e posso cuidar dela, ela disse mais ou menos assim. Ok, isso inclui alimentar, trocar água, dar atenção e limpar os montinhos. Combinado, se falhar, Bibi vai morar no sítio da Vó Zé, acordo firmado. 
De fato, o que era para ser apenas ludicidade tornou-se responsabilidade. Cinco montinhos por hora são em média 120 por dia. Não dá para passar a última semana de férias nessa tarefa inglória. Vamos forrar a sacada com jornais, ideia genial porque clássica. Com qual jornal? Ah, pega esse aí que tem um artigo do papai, um dos primeiros que saiu, guardado com reverência, esquecido entre os livros da estante. Titubeei, mas lembrei do mestre Antônio Candido, quando ele disse que a crônica serve mesmo é para isso, para embrulhar o pão ou servir de louça para os montinhos da Bibi. 
 

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