O Estado democrático de Direito, cuja base axiológico-normativa encontra-se no princípio da dignidade da pessoa humana, apresenta como objetivo central a consolidação dos direitos e garantias fundamentais mediante um respeito categórico aos preceitos da legalidade e da legitimidade. Sob essa perspectiva, o exercício das prerrogativas reconhecidas e protegidas juridicamente não apresenta um caráter absoluto, visto que suas limitações são definidas pela própria lei e por outros princípios, os quais tipificam o conteúdo valorativo do ordenamento jurídico.
Diante disso, é premente frisar que nem mesmo a liberdade de expressão, valor tão aclamado pela democracia liberal, pode ser usufruída de forma integral e irrestrita. Por certo, tal afirmação é de fundamental importância para a circulação de ideias nas redes sociais, cuja conjuntura é marcada pela crescente divulgação de fake news e pelos casos de intolerância.
Numa primeira análise, é importante destacar a compreensão do jurista José Canotilho acerca da complementaridade e da coexistência dos princípios constitucionais. Para o autor em questão, os princípios, enquanto uma força motriz e matriz do ordenamento jurídico, coexistem, sendo que, num aparente conflito, a primazia de um valor não exclui a existência do outro, pois, para cada caso concreto, é necessária a realização de uma ponderação específica. Desse modo, numa eventual situação em que será preciso uma tomada de decisão acerca de qual valor receberá maior destaque, o critério a ser utilizado será, em última instância, a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, numa ponderação entre o direito à propriedade e o direito à vida, este último será apreciado com maior destaque.
Em vista disso, o gozo da liberdade de expressão, inclusive no espaço das redes sociais, não deve ser pretexto para violação da dignidade de outrem, já que os valores e os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas em conjunto, tendo em vista o bem comum, ou seja, o desenvolvimento integral da comunidade. Os valores são imprescindíveis para a própria liberdade. Diante disso, afirma o teólogo Fulton Sheen: “Parta-se do falso pressuposto de que a democracia significa liberdade de ser indiferente à verdade e à virtude, e a democracia acabará, como na morte de Cristo, crucificando a ambas".
Destarte, a liberdade reiterada pelo constitucionalismo democrático e pelo governo republicano não apresenta apenas uma dimensão individual, isto é, de realização das vontades particulares sem interferências externas e restrições do poder público, já que, numa democracia participativa e material, a esfera comunitária é extremamente importante. Portanto, a liberdade possui uma dimensão positiva, isto é, de observação e cumprimento de obrigações e virtudes cívicas, bem como do devido respeito aos direitos alheios. Dessa forma, no ambiente digital, é preciso observar que a circulação de ideias está condicionada à complementaridade dos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Diante dos fatos supracitados, é imprescindível frisar que a ideia de liberdade absoluta é um equívoco, pois não encontra respaldos numa moralidade pautada no respeito ao próximo, na deontologia, nas virtudes cívicas e na correta compreensão dos direitos humanos. Enfim, a esfera privada das redes sociais está subordinada aos ditames e valores do Estado democrático de Direito e, portanto, limitada pelos princípios constitucionais.