Faz décadas e se perde na memória dos prudentinos a feira que se realiza na Manoel Goulart, antes, aos domingos e, agora, aos sábados, à tardezinha e à noite, até a hora do silêncio. E, aos domingos, até o meio dia. Começou nos idos de trinta. Prolongou-se pelo tempo afora. No início, apenas um quarteirão. Foi aumentando, invadindo quarteirões, até ao posto do Brogiatinho. No começo, somente produtos da área rural. Verduras e frutos, cereais e frutas. Vendiam-se sacas de arroz e de feijão, bem como caixas de frutas. O tempo foi passando, a cidade crescendo e a feira sendo esperada com muita vontade e, por vezes, com gula. Com razão. Não havia supermercados nem sacolões. A feira da Manoel Goulart parecia um mercado persa. Nela encontrava-se tudo. Do legume ao peixe, do pano de prato às bugigangas do Paraguai. Pastéis quentinhos e cheios de vento por dentro, mas gigantes, e espetinhos de carne vermelha, não identificando o animal, servindo de guloseimas aos mais apetitosos paladares. É a feira da Manoel Goulart. Livre para todos. De trânsito congestionado na passarela do vem prá cá e do vai pra lá, com carrinhos atropelando os pés de quem tenha pressa ou esteja parado. E todos, sem exceção, caminham, param de banca em banca, olham os produtos, amassam-nos com os olhos, quando não o fazem com o dedilhar dos dedos. Ver, para crer, não resolve. É preciso pegar, apalpar mesmo, sentir, pelo tato, a consistência do fruto ou da fruta, inclusive angariar um toque de sensualidade.
A feira, apesar de, ultimamente, outras tantas existirem no meio da semana, em diversas partes da cidade, a feira é a da Manoel Goulart. Atente-se para o sábado à tarde. São carrinhos, camionetas e peruas Kombi despejando, na avenida, armações de madeira ou de ferro, bancas de tábuas, cavaletes e caixas de mercadoria. Amontoa-se tudo. São montes e montes cobertos de lonas. Chega a hora da montagem. O barulho de ferros com ferros retinindo aqui e ali, de madeiras emitindo o eco surdo e seco, de vozes presas na garganta, esperando para o grito final do alô ao freguês ou à freguesa. Num átimo se armam as barracas e as bancas e, mais depressa ainda, se dispõem os produtos, milimetricamente, nos seus lugares. Enfeitam de cores vivas os legumes, as frutas e a quinquilharia no tablado do balcão de vendas. As vozes clamam por vendas e proclamam a mercadoria. Começa a passarela. Um que vem e pára. Outro que passa e só olha. Outro mais encontra o amigo e o papo vem. Feirantes, barraqueiros e mercadores de ocasião gabam o artigo, gritam pelo comprador, assobiam, cantarolam, vendem, embrulhando o produto e o freguês. Uma confusão, um alarido, um azáfama, tudo numa só alegria de momento. Tudo se contagia. Entretanto o bolso do freguês ou da freguesa, cheio de dinheiro, se esvazia incontinente, e a bolsa não se enche. Tudo caro! Uma carestia de arrepiar o minguado salário ou a escassa aposentadoria. A feira, no domingo, é mais postulada. Dia do Senhor, mas dia de abastecer a despensa e a geladeira, quem sabe por uma semana. É a feira do passeio, do “footing”, do encontro ou do desencontro. Da frustração também. O dinheiro quebra-se pela metade. Não se leva o mesmo tanto da semana anterior. Fica a ilusão. Aperta-se o cinto. Mas barriga vazia não dá alegria. Enfim, inflação com recessão não combinam com fartura. A feira chega ao seu final. Para uma parte do povão, é hora de render os poucos trocados que sobram. Busca-se o grito da liquidação em algumas barracas. Ou da promoção em bancas do que sobrou. Chegam os xepeiros. Catam-se as sobras, no desarmamento da feira. Um barulho ensurdecedor sacode a avenida. A sujeita toma conta. Os catadores ou lázaros da vida amealham a sobra. Caixotes, caixas e caminhões recolhem a sobra. Desfaz-se a feira, sobram tranqueiras e traquitanas. Meio-dia. A feira acabou. Os moradores dos quarteirões tomados de assalto pelos quitandeiros e camelôs voltam à serenidade. A Manoel Goulart respira aliviada. Até a próxima semana. E semana após semana, Prudente vive a feira livre da Manoel Goulart em doses homeopáticas de fartura, até que venha a época das vacas gordas.