O planeta está assustado com a pandemia da Covid-19. Países grandes e pequenos, pobres e ricos, estendem os olhos aos laboratórios científicos na ânsia de receber respostas de vacinas que entram na fase 3 do teste. Mas, na paisagem das nações, uma questão se impõe: que ajustes poderão ser feitos após a crise sanitária nos sistemas democráticos?
Comecemos com uma introdução histórica. A democracia de Aristóteles tem mudado de feição. O filósofo concebia a política como a responsabilidade do cidadão em relação à polis. Os habitantes submetiam-se a uma missão, não entendiam a política como profissão.
Ao correr dos tempos, o Estado substituiu o absolutismo dos monarcas pelo espaço da República. O poder imperial cedeu lugar ao poder popular. O conceito firmou-se com o axioma de Abraham Lincoln: “a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas ciclos de crise se sucediam abalando os fundamentos democráticos. Os conjuntos representativos desviaram-se de seus papéis, a ponto de Norberto Bobbio ter dado forte puxão de orelhas ao acentuar que a democracia não tem cumprido suas promessas, entre as quais a educação para a cidadania, a transparência, o acesso de todos à justiça e o combate ao poder invisível.
Dito isto, ingressemos na atualidade. Os problemas emergem em escala geométrica, corroendo as áreas da saúde, da educação, da mobilidade urbana, da segurança pública, da habitação, do saneamento básico, entre outras. No campo da sustentabilidade ambiental, a irresponsabilidade campeia, rasgando a terra, queimando florestas, destruindo riquezas naturais. Conflitos étnicos e religiosos explodem em todos os quadrantes.
Esse é o panorama que acolhe a pandemia da Covid-19. O que acontecerá na textura democrática após a crise? A resposta tem a ver com o estado d’alma da sociedade mundial. Já vem de algum tempo um sentimento de contrariedade dos cidadãos em relação aos políticos. Tal contrariedade abriga rancores, ódio, indignação, a denotar desprezo pelos governantes. No Brasil, tivemos as grandes manifestações de junho de 2013, empuxo do impeachment da presidente Dilma.
O fato é que, de uns anos para cá, a sociedade passou a ter participação mais ativa na política. Esta é, portanto, uma tendência a ganhar força nos tempos pós-pandemia. Novos polos de poder se multiplicam aqui e alhures, usando estruturas de entidades intermediárias, como associações, sindicatos, federações, núcleos, setores, movimentos.
Já a nossa democracia atravessa gargalos: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; um governo ortodoxo e a manutenção de mazelas históricas.