O mercado imobiliário e o ordenamento jurídico brasileiro devem estar em perfeita sintonia para que garantam a segurança e o crescimento da economia nacional e em especial do ecossistema imobiliário. E quando o assunto é garantia imobiliária, a mais utilizada atualmente é a alienação fiduciária. Você conhece a fundo este instituto?
A alienação fiduciária é uma das garantias reais mais seguras do mundo e justamente por isso que é utilizada em larga escala pelas instituições bancárias. Inicialmente cabe conceituar o que vem a ser a alienação fiduciária, sendo um direito real em que o devedor transfere a propriedade resolúvel ao credor com a finalidade de garantir o cumprimento de uma obrigação. No caso de bens móveis, é regulamentada pelo Código Civil e Decreto Lei 911/1969 e no caso de bens imóveis pela Lei 9.514/1997 com recente alteração substancial pela Lei 14.465/2017.
E a utilização da alienação fiduciária é exclusiva de bancos? Não, é possível a utilização da estrutura jurídica da alienação fiduciária exclusivamente entre os particulares. Por exemplo: José vende um imóvel para João por R$ 200.000,00 e recebe apenas R$ 100.000,00, é possível fazer a escritura de compra e venda do imóvel e no que tange à dívida de R$ 100.000,00 proceder à alienação fiduciária da mesma, tudo isso com ingresso no registro de imóveis.
E por que a alienação fiduciária é tão segura? Uma vez instituída a garantia com seu registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, a propriedade fica afetada ao cumprimento da dívida, ou seja, não tem como dar aquele imóvel em garantia para uma nova obrigação, indo além, caso o devedor seja uma empresa e a mesma venha à falência, este imóvel objeto da alienação fiduciária não irá compor a massa falida, ficando o credor resguardado.
Sendo assim, o credor terá sua obrigação satisfeita, seja pelo adimplemento ordinário que é o pagamento conforme ajustado no contrato ou no caso de inadimplemento pelo procedimento de execução da alienação fiduciária, que é outra grande vantagem comparada às outras garantias reais, pois o procedimento demora poucos meses e não necessita do Judiciário.
No caso de inadimplemento, o credor buscará o Cartório de Registro de Imóveis competente, que intimará o devedor para a comprovação da mora e, caso não ocorra o pagamento, irá consolidar a propriedade, com o pagamento do ITBI, no patrimônio do credor que, posteriormente deverá providenciar os leilões extrajudiciais, tendo o primeiro leilão como referência o valor mínimo o de avaliação e sendo este negativo, o segundo leilão terá como valor mínimo o da dívida e demais encargos. Sendo infrutíferos os dois leilões, o bem ficará de maneira definitiva com o credor que deverá fornecer a quitação da dívida.
No Brasil é vedado o pacto comissório em que as partes estipulam antes do vencimento da obrigação que no caso de atraso o credor irá ficar com o imóvel. Isso acontece, pois haveria uma grande vantagem para o credor caso houvesse o inadimplemento, e isso não é o normal, pois o curso normal dos contratos é a extinção pelo cumprimento da obrigação. Nesse intuito, a alienação fiduciária obriga aos leilões extrajudiciais. Porém, é possível antes da consolidação da propriedade, conforme decisão da Corregedoria Geral de Justiça de SP no processo CG nº 2011/156201, que se for de comum acordo entre as partes, se promova uma dação em pagamento convencional ao invés dos leilões.
O instituto da alienação fiduciária pode ser realizado por instrumento particular, ou seja, prescinde de escritura pública para o registro no cartório de imóveis. Mas qual a vantagem de fazer a escritura pública nesse caso? Há uma previsão de desconto de 40% no valor dos emolumentos, que muitas vezes fica mais barato que o valor cobrado no instrumento particular e praticado pelas instituições financeiras. Exemplo: No caso acima do José vendendo para João, a compra e venda e alienação fiduciária o valor total da escritura ficaria R$ 3.007,91. Indo além, o tabelião deve assessorar ambas as partes com imparcialidade, esclarecendo sobre os efeitos do ato, impedindo cláusulas abusivas ou contrárias ao ordenamento jurídico.
As partes na lavratura da escritura no cartório podem estar assistidas por advogados, e o tabelião irá fazer o controle de legalidade das cláusulas, dando a fé pública estatal sobre aquele documento. As nuances sobre a alienação fiduciária são diversas e serão objeto de outros artigos como no caso da alienação fiduciária guarda-chuva e alienação fiduciária sobre a propriedade superveniente (Enunciado 506 da V Jornadas de Direito Civil). Caso tenha alguma dúvida sobre cartórios e direito civil, entre em contato que sua dúvida poderá ser o tema da próxima coluna.