Os obstáculos que nos deparamos durante nossa trajetória de vida. Os degraus que dificultam o nosso caminho... Todos os embates pelos quais teve de passar só impulsionaram Flávia Ferreira Lira, 42 anos, a pessoa por trás do projeto “Voando como águia”, de Álvares Machado, a chegar aonde chegou. Do Maranhão, passando pelo Pará, até chegar à capital do oeste paulista, foram inúmeros capítulos de uma história que está tendo um final feliz. Depois de passar por diversas dificuldades, hoje ela ajuda inúmeras mulheres, muitas vítimas de violência sexual e psicológica, que sonham em ser empreendedoras, assim como ela, que realizou seu sonho montando em sua própria residência, no Parque dos Pinheiros, o Bistrô Recanto Nordestino, onde, além de servir refeições aos seus clientes, promove aulas de produção de bolos, recheios, precificação, entre outras atividades voluntárias pelo bem de sua atual comunidade.
Flávia conta que o projeto fará dois anos no dia 21 de julho, mesma data que seu bistrô comemorará um ano de existência. Sobre o “Voando como águia”, explica que conta com doações de toda comunidade para desenvolver as atividades, bem como auxílio do projeto “Corrente do Bem”. E, a novidade: a partir de maio a expectativa é de já funcionar em um espaço físico próprio, no mesmo bairro, com atendimento psicológico gratuito focado principalmente nos jovens. A pretensão ainda é proporcionar atendimentos nas áreas jurídica e de nutrição. Tudo isso sem custo para os atendidos.
“A minha vontade de ajudar vem de tantas coisas que eu passei na vida. Eu tinha esse desejo no meu coração, era um sonho que eu tinha de poder contribuir, de poder ajudar as pessoas. E aí surgiu a oportunidade dentro da minha casa mesmo. Eu comecei ensinando o que sabia, vendo a necessidade das pessoas”, relata Flávia, que casou cedo, aos 13 anos de idade, quando ainda atuava na extração do coco de babaçu, lá em Olho d’Água das Cunhãs, no interior do Maranhão. O objetivo era deixar a residência da mãe, onde presenciava as violências vividas por ela: física por parte do pai de Flávia, e psicológica, depois praticadas pelo padrasto.
“Fui para Belém do Pará quando me separei do pai da minha filha, onde passei fome e fui trabalhar como doméstica. Lá, o patrão queria abusar de mim e acabei fugindo, fiquei sem ter onde morar e passei três dias na rua, com a mala para lá para cá, até Deus providenciar alguém para me acolher”, recorda. “Depois conheci uma família que morava no Nordeste, que tinha uma empresa e me convidou para vir para São Paulo. E, assim, minha vida foi mudando aos poucos, fui trabalhando como doméstica, casei e vi que tinha um propósito, que tinha que fazer algo devido tantas coisas que Deus fez pela minha vida”, revela.
Já na capital do oeste paulista e, sem dinheiro, Flávia voltou a trabalhar como doméstica e começou a poupar para investir em seu próprio negócio. Aos poucos, com auxílio do esposo Marcelo Ferreira Lira, e da filha Sara, 22 anos, que trouxe lá de Belém, passou a decorar o espaço que tinha e dali surgiu seu tão amado bistrô. “Trabalhei muito tempo como doméstica e daí surgiu a vontade de ter o Recanto, devido tanto os patrões me negarem comida e me chamarem de burra, dizerem que eu nunca ia ter alguma coisa e que o meu lugar era somente ali”, conta. “Só que eu nunca vi que aquele era o meu lugar e eu trabalhava sonhando com um ‘Recanto nordestino’. Sempre dizia que ia trazer para minha comunidade algo bom, diferente, que me fizesse sentir pertencente”, exalta.
A empreendedora afirma que tantas vivências a fizeram ir à luta pelo seu próprio restaurante e também pelo projeto. “Hoje quero cuidar de pessoas e contribuir com aquilo que eu aprendi na minha caminhada. Isso me envolve e alivia as dores das cicatrizes que ainda tenho”, salienta. À reportagem, relembra que seu primeiro evento do “Voando como águia” já contou com 170 participantes, público de saltou para 200 pessoas na Feira de Mulheres Empreendedoras. A entidade ainda promove chás e outras diversas comemorações em datas festivas, além das atividades de capacitação.
“Ultimamente, muitas adolescentes têm me procurado pedindo conselho e ajuda psicológica. E aí surgiu a vontade de dar continuidade ao projeto, mas de uma forma diferente. Além de ensinar a fazer bolo, hoje eu falo sobre empreendedorismo, precificação e técnicas de venda, para cerca de oito a dez alunas por aula, e queremos ajudar na parte psicológica”, cita. “Também estamos colocando os jovens para ajudar as mulheres que estão em situação de vulnerabilidade, então estamos buscando ajuda para isso, principalmente para os atendimentos voluntários de profissionais. Para atuar, conto com muitas doações. Os comerciantes, os amigos da Corrente do Bem e a própria comunidade apoiam”, promove Flávia, que conta que, como forma de inscrição dos cursos, pede às participantes que levem um quilo de alimento. Esse material angariado é utilizado para montar cestas básicas que depois são distribuídas junto à Corrente do Bem.
Fotos: Cedidas
Flávia: “Minha vontade de ajudar vem das dificuldades que passei na vida”
Alunas aprendem a produzir bolos e recheios