Nos anos 1980 coordenei a área de infecções pós-transplantes de órgãos do Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Testemunhei muitas histórias, junto ao leito, de pacientes que aguardavam para receber um coração e dependiam da generosidade de pessoas que haviam acabado de perder um familiar.
O processo doação-transplante envolve muita expectativa, sofrimento e angústia, mas também revela seres humanos incríveis e solidários que, diante do luto enxergam a possibilidade de salvar a vida de um desconhecido. É algo mágico.
O Brasil tem uma característica fundamental para a transparência e a legalidade do processo. Quem capta doadores não conversa com quem transplanta, e a família do doador não tem canal de comunicação com o transplantado. Essa intermediação cabe ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Para um coração chegar ao peito de um paciente, por exemplo, uma Organização de Procura de Órgãos deve primeiro entrar em contato com a instância reguladora do SUS, que ofertará o órgão à equipe responsável, obedecendo a critérios extremamente rigorosos e sob constante fiscalização de órgãos como o Ministério Público.
A captação de doadores de órgãos é um trabalho particularmente delicado e sensível, porque requer a abordagem de familiares de pessoas tiveram suas vidas interrompidas muitas vezes de forma abrupta, vítimas de AVC ou de traumatismo craniano.
É complicado explicar para um leigo, ainda dentro do hospital, o que é o estado de morte encefálica, em que o coração do paciente ainda pulsa, mas não há nenhum sinal de atividade cerebral, condição em que os órgãos ainda podem aproveitados para transplante. A corrida contra o relógio ainda tem outras etapas, como a retirada e o transporte do órgão até o local do transplante em tempo hábil e a realização de exames sorológicos obrigatórios.
Como secretário de Saúde do Estado de São Paulo, entre 2013 e 2018, atuei para ampliar e humanizar o trabalho de captação, e conseguimos com isso reduzir expressivamente os índices de recusa familiar para doação de órgãos e tecidos.
Para isso, investimos na contratação de veículos para buscar um órgão onde quer que ele estivesse. Também realizamos campanhas de conscientização e premiamos as equipes e os hospitais que mais se destacaram na captação, notificação e realização de transplantes no Estado.
A comoção gerada com o transplante do apresentador Fausto Silva deve servir como incentivo para que cada brasileiro se informe por meio dos canais oficiais e dos veículos de imprensa sobre a importância de ser um doador de órgãos, e comunicar esse desejo a seus familiares. Milhares de vidas que aguardam por um transplante agradecem.