Rede social não explica tudo

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 22/10/2024
Horário 06:00

Uma pergunta que muitos alunos me fazem é sobre o real poder das redes sociais e dos algoritmos na vitória eleitoral cada vez mais frequente de políticos de direita e extrema-direita no Brasil e no mundo.
Nas últimas eleições, aliás, o que se viu, foi uma repetição da cena dos últimos anos, especialmente pós-impeachment de Dilma Roussef, com avanço significativo do bolsonarismo, dos pós-bolsonaristas como Pablo Marçal e dos próprios partidos que se escondem atrás do termo Centrão, mas que no fundo são mesmo é de direita.
Eu digo que sim. Obviamente, as redes sociais ajudaram e ajudam a impulsionar este movimento conservador e são responsáveis pelo recrutamento de milhões de eleitores, que são, primeiro, atraídos por narrativas poderosas até caírem em ecossistemas conspiratórios, que por sua vez, possuem conteúdo suficiente e eficaz para aliciar e manter muitos deles ativos.
Em segundo, o poder das redes sociais nesta cooptação eleitoral se observa no grau de aderência dos discursos de direita e esquerda. 
Enquanto a esquerda mantém uma narrativa acadêmica e ainda agarrada a estruturas socialistas e comunistas do século 20, hoje já falidas, a direita joga com storytellings populares e religiosos, que ora alçam o espectador a uma condição de protagonista de sua própria vida ora o coloca no seio do povo escolhido. Em outras palavras, apelo total a promessas de prosperidade e de dominância e o termo “promessas” tem total relevância aqui.    
Vou explicar ainda melhor por outro ângulo: promessas são parte fundamental dos conteúdos mais persuasivos das redes sociais. O texto que engaja é aquele que traz em sua essência um bom pacto, ou seja, uma boa promessa. 
Bem, uma vez que política é arte de fazer promessas, entende por que ela encontra um espaço super favorável nas redes sociais? Quem está nas redes está apto a ouvir uma boa promessa e se ela se enquadra em um futuro melhor, com extermínio do suposto grande inimigo e a valorização do “herói” que vence apesar de tudo e de todos, será muito bem recebida.  
Por fim, precisamos considerar que no embate de discursos entre direita e esquerda nas redes sociais, os algoritmos se alimentam ferozmente da agressividade e da radicalidade do primeiro grupo. Isso é fruto da Economia da Atenção, que joga sempre para cima os conteúdos mais polêmicos, mesmo que signifiquem atentar contra a democracia, misoginia, preconceitos, perda de direitos trabalhistas e outras conversas estranhas à democracia. E isso não tem a ver com a rede social ser a favor ou contra um dos lados. As redes são a favor do lucro e ponto.   
Ótimo, até aí, você pode concordar comigo que as redes exercem poder imenso de atração e de conquista com suas promessas e fazem sim a diferença no contexto eleitoral. Algoritmos podem ser excelentes cabos eleitorais.
Porém, não dá para dizer que os eleitores hoje mantenham seus votos no universo conservador somente por serem cooptados e manipulados pelo poder midiático. Em outras palavras, eu não concordo com a tese de parte da esquerda de que todo este contingente eleitoral esteja eternamente iludido por fake news e outras falcatruas midiáticas. 
Essa pirotecnia das redes explica o ressurgimento da extrema-direita, mas sua manutenção e evolução nas urnas têm muito mais a ver também com a vontade popular mesmo do que por um poder quase que divino das redes sociais e dos algoritmos. 
É preciso considerar seriamente que boa parcela destas pessoas, de fato, aposta no conservadorismo e nas pautas da direita para mudanças necessárias na sociedade. E não falo aqui apenas de uma população acima dos 40 anos e que jocosamente ficou conhecida também como os tios e tias do Zap. 
Precisamos considerar ainda neste cenário toda uma geração mais jovem que é influenciada a pensar em pautas de direita por questões antissistêmicas e por uma vontade essencialmente liberal de empreender em um espaço livre de amarras do governo, assim como é o universo digital onde eles nasceram.
O próximo ano eleitoral, 2026, vai indicar se esta tendência a la direita se concretiza de fato ou se a esquerda vai conseguir equiparar novamente o embate ao aprender a lidar melhor com o mundo digital e a encarar que as pautas progressistas vão ter que ser revistas, bem como a própria atuação de seus atores, que deverão estar muito mais próximos de eleitores, que como eu disse, possuem suas próprias vontades e sabem que podem decidir o próprio futuro. Que venham os próximos capítulos.
 

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