Quanto menos comemos, mais podemos viver

Jair Rodrigues Garcia Júnior

Dispor de abundância é um objetivo de 98% da população, o que se aplica também à alimentação. Comer à vontade quando se está com fome e quando o alimento apetece é muito bom. Porém, abundância não combina com saúde e longevidade. Pelo contrário, a restrição do consumo de calorias é o meio mais efetivo de estender a longevidade. 

RESTRIÇÃO CALÓRICA
O primeiro estudo científico sobre longevidade foi publicado em 1838. Desde então, a expectativa de vida aumentou de 40 anos (isso mesmo!) para quase 80 anos em muitos países. A restrição calórica é uma terapia natural que reduz os marcadores inflamatórios e os danos da oxidação. A restrição deve ser de 20-30% da necessidade diária, porém deve incluir nutrientes essenciais para manutenção das funções metabólicas, fisiológicas e da saúde.

ATIVAÇÃO E DESATIVAÇÃO
A restrição calórica modula positivamente vias metabólicas e proteínas que podem promover o envelhecimento saudável (evitar ou atrasar doenças). Alterações mais significativas acontecem nas vias dependentes dos hormônios insulina e fator de crescimento semelhantes à insulina 1 (IGF-1) e nas proteínas mTOR (alvo de rapamicina e mamíferos) e sirtuínas. Diminuição da insulina, do IGF-1 e da mTOR, e aumento das sirtuínas previnem as doenças crônicas, inclusive as neurodegenerativas (demências). 

EVIDÊNCIAS FORTES
Muitos estudos com restrição calórica já foram conduzidos em roedores e primatas, e alguns em humanos. O Instituto de Estudo do Envelhecimento dos EUA (National Institute of Aging) realizou o estudo Calerie (avaliação abrangente dos efeitos a longo prazo da redução da ingestão de energia) com 220 participantes durante 9 anos. A restrição calórica foi de 25% da necessidade diária. 

Há pesquisadores pelo mundo em busca de uma molécula natural ou sintética que mimetize a restrição calórica e seus benefícios para a longevidade

EFEITOS BENÉFICOS
Foi observada diminuição da gordura corporal, glicose, insulina, triglicerídeos e colesterol total no sangue, diminuição da pressão arterial e aumento do HDL-colesterol. Houve também diminuição da concentração de proteínas desacopladoras (UCP - desperdiçadoras de energia) e do gasto de energia, aumento da eficiência da função mitocondrial e da produção de ATP (principal molécula energética para vida), diminuição do estresse oxidativo e das citocinas inflamatórias, como interleucinas e TNF de aproximadamente 16-20%. 

REEDUCAÇÃO DO PADRÃO
As milhões de pessoas que já fizeram algum tipo de dieta para perda do excesso de gordura têm bem clara a dificuldade de manter o consumo calórico restritivo durante semanas ou meses, quem dirá anos. Requer dedicação, compromisso e mudança do padrão mental da fartura para o comedido (frugal). Por isso, há pesquisadores em busca de uma molécula natural ou sintética que mimetize a restrição calórica. Alguns candidatos são a metformina, rapamicina, resveratrol e espermidina. A metformina é usada como terapia para o diabetes, pois melhora a sensibilidade à insulina. A rapamicina é usada como imunossupressora em transplantados, inibidora do crescimento tumoral e da proteína mTOR. Resveratrol e espermidina são componentes funcionais encontrados em vegetais com efeitos metabólicos benéficos, tais como a restrição calórica.

APLICAÇÃO
O envelhecimento é um processo debilitante, cujos efeitos negativos acontecem em cascata, ou seja, provocando e/ou agravando outros. Comportamentos como prática de exercício físico e restrição calórica previnem ou, pelo menos atrasam, alterações no controle metabólico nas funções fisiológicas. Comece o quanto antes.

Referências

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