“Ossê shalom bimromav, Hu yassê shalom aleinu veal col Israel veal col yoshvê tevel, venomar amen”! Traduzindo: "Deus, que estabelece a paz nas alturas, fará a paz acontecer conosco, com todo o povo de Israel e com todos os moradores da Terra, amém". É com essa frase que Camilo Zeitoune Seleguini, 36 anos, termina o seu relato em relação aos dias de conflito entre Israel e os Hamas. E é com ela que este texto começa, com uma reflexão e um pedido de paz. Sob um olhar sensível, ele tenta repassar como estão sendo os dias vividos por lá. Ele conversou com a reportagem de O Imparcial.
Camilo mora há seis anos em Israel, é professor de História e Religião Judaica e mestrando em Estudos Judaicos em Jerusalém para se tornar um rabino (líder religioso judaico). Natural de Presidente Epitácio, sua família está dividida entre Presidente Venceslau e Ribeirão dos Índios. “Sou uma mistura de brasileiros judeus e italianos. Existe uma lei em Israel chamada de Lei do Retorno em que cada judeu, no mundo todo, pode imigrar para o Estado de Israel, que é a terra ancestral do povo israelita”.
Ele esteve no Brasil em setembro, quando visitou toda a família – a mãe mora em Presidente Venceslau e o pai em Ribeirão dos Índios. Voltou para Israel seis dias antes da guerra e viajou para a Grécia, estava na Ilha de Creta quando tudo estourou.
Conta que no sábado, dia 7 de outubro, às 6h30, mais de mil palestinos romperam a fronteira de Israel com Gaza e começou aquilo que chamam de “11 de setembro israelense” (em referência ao ataque das Torres Gêmeas nos Estados Unidos). “Esse ataque pegou de surpresa a todos, inclusive a Inteligência Militar de Israel, que não previu o terror que estava sendo arquitetado do outro lado da fronteira”. Camilo voltou para Israel no dia seguinte ao começo da guerra.
Destaca que mais de mil terroristas invadiram Israel e focaram nas aldeias e cidades ao sul do país. Dezessete kibutzim (comunidades agrícolas) foram invadidas, queimadas e mais de 222 judeus foram sequestrados de suas casas para o território palestino. Famílias inteiras foram mortas. Crianças, mulheres e idosos foram decapitados e seus corpos queimados nos abrigos de proteção. “Foram 1,4 mil judeus assassinados num único dia. É o maior assassinato de judeus desde o holocausto”, menciona Camilo.
“Após a Segunda Guerra Mundial, prometemos que nenhum judeu seria morto ou perseguido e, para isso, fundamos o Estado de Israel nas terras ancestrais israelitas. Desde o dia 7 de outubro, Israel tem bombardeado postos do Hamas na Faixa de Gaza e matado seus líderes terroristas. Israel tem o direito de se defender de toda agressão e terrorismo. Israel é forte, temos um dos melhores exércitos do mundo e não vamos deixar de nos proteger de qualquer ameaça à vida de nossos 9 milhões de cidadãos. O Hamas é um grupo terrorista que aprisiona os cidadãos palestinos que vivem na Faixa de Gaza para fazê-los de escudo humano e enriquecer às custas do conflito”, detalha Camilo.
“Ossê shalom bimromav, Hu yassê shalom aleinu veal col Israel veal col yoshvê tevel, venomar amen”! Traduzindo: "Deus, que estabelece a paz nas alturas, fará a paz acontecer conosco, com todo o povo de Israel e com todos os moradores da Terra, amém"
Camilo mora numa cidade chamada Ramat Gan, divisa com Tel Aviv, na área central do pequeno país de Israel. “Estamos à 70 km de Gaza, o que nos deixa, de certa forma, protegidos, embora o Hamas não pare de disparar foguetes em todas as regiões de Israel”, frisa.
Foto: Cedida
Quando os foguetes cão caindo, as sirenes tocam e mostra as áreas que estão sendo bombardeadas; essa é a área da cidade de Camilo, Ramat Gan, que aparece vermelha
“Só para vocês terem uma ideia, contamos com uma tecnologia antimíssil, chamada Kipat Barzel ou, Domo de Ferro. Graças a Deus, essa tecnologia tem salvado muitos israelenses, pois, quando o grupo terrorista Hamas envia mísseis em nossa direção, sirenes são tocadas, avisando que, em um minuto [na minha cidade] ou em 15 segundos [nas cidades do sul], bombas cairão em cima de nossas cabeças. Esse é o tempo que temos que correr para os abrigos [públicos ou privados] e nos trancarmos lá dentro, esperando 10 minutos até que não haja mais explosões”, relata
Ele mora numa casa em que é responsável por crianças autistas. “No momento, estou com a mãe deles e com dois cachorros, já que meu namorado, que também mora aqui, foi recrutado para o norte para combater o Hezbollah [outro grupo terrorista libanês], ele está no front. Quando as sirenes tocam, o estresse, o medo, a insegurança batem na porta, pegamos todos e nos trancamos no miklat, o abrigo no subsolo de casa”, destaca. Camilo fala com o companheiro cerca de 20 minutos por dia e o viu depois que foi convocado apenas uma vez, quando foi ao norte levar os óculos novos para ele, já que os antigos haviam quebrado.
Camilo também trabalha conduzindo cerimônias de bar mitsvá, que é quando o menino judeu, ao chegar aos 13 anos, tem a sua maioridade religiosa declarada e lê publicamente a Torá, a Bíblia Judaica. “Tínhamos 20 cerimônias de bar mitsvá marcada para este mês e só conseguimos fazer cinco, já que as famílias decidiram não fazer celebrações enquanto nossos irmãos e irmãs estão cativos em território palestino, sofrendo e sendo torturados. Algumas famílias decidiram continuar com a cerimônia, no sentido de trazer esperança e um pouco de alegria nesse contexto de guerra. No sábado, o dia mais sagrado do judaísmo, enquanto meu aluno de 13 anos estava lendo a Torá diante de 60 pessoas [amigos e familiares], as sirenes tocaram e tivemos que descer para o abrigo da sinagoga. É muito estressante tudo isso!”, frisa.
Relata que estão há 25 dias de guerra e mais de 7 mil foguetes foram lançados em direção de Israel. “Na minha cidade, por dia, a sirene toca umas 4 ou 5 vezes. Já nas cidades ao sul, tocam cerca de 20 vezes por dia. Um detalhe sobre o Domo de Ferro é que ele intercepta apenas 97% dos mísseis. Logo, muitas casas ao sul de Israel recebem uma quantidade exorbitante de mísseis e o sistema de defesa não está dando conta. Assim, casas, escolas e hospitais estão sendo bombardeados e pessoas morrendo, o que levou o governo, numa operação única, desalojar 600 mil israelenses [das fronteiras do norte e do sul], para hotéis na região central do país [que é considerada a mais segura], diz.
Camilo relata que dispõe de dois aplicativos que alertam sobre ataques: um da região central de Tel Aviv, que chama “Alerta Vermelho”, e um outro específico para a sua cidade. “Vivemos na incerteza. Vejo os aplicativos a todo momento, principalmente antes de fazer as coisas, como, por exemplo, tomar banho. Quando eu vejo que está chegando em Holon, uma cidade perto daqui, já espero tocar. É medo o tempo todo”, frisa.
Fotos: Cedidas
Aplicativos utilizados por Camilo que alertam sobre ataques: “Olho os aplicativos o tempo todo”
Conta que as pessoas se uniram de tal forma, jamais vista por lá. “Uma solidariedade que eu não tinha conhecido ainda. Milhões de shekel [dinheiro de lá] são enviados para as famílias que perderam tudo. O Hamas convocou os árabes que moram em Israel para se juntar à guerra, fazer atentados, são 2 milhões de árabes que moram aqui e graças a Deus ninguém aceitou. Porque sabem que Hamas é um grupo que não luta pela Palestina”, diz.
Sobre como é viver em um país em conflito, Camilo reflete um olhar sensível. “Viver em um país em conflito é não saber se você vai poder tomar banho ou cozinhar, pois a qualquer momento a sirene toca e você tem que buscar abrigo. É medo o tempo todo. Eu mesmo, estou evitando de sair de casa, e mesmo que saia, vou para o mercado ou para a sinagoga rezar, onde sei que tem abrigos subterrâneos para me proteger. As aulas com os alunos estão sendo pelo zoom”, conta.
O Brasil mandou aviões para repatriar os brasileiros que queriam voltar e mais de 2 mil chegaram às suas cidades. Camilo foi questionado pela reportagem, pela sua família e amigos, se não queria voltar ao Brasil. “Escrevo aqui de novo: Escolhi viver em Israel por ancestralidade, sou 100% israelense, trabalho aqui, tenho família, amigos e minha vida está aqui. Acredito muito em Deus e no Exército de Israel, que nos protegem a cada minuto. A ajuda que vocês podem oferecer para mim e para os judeus é rezar pela paz e denunciar o terrorismo do Hamas e Hezbollá. Só assim teremos a paz absoluta e verdadeira”, destaca.
Foto: Cedida
Camilo mora há 6 anos em Israel e não pensa em retornar ao Brasil
“Viver em um país em conflito é não saber se você vai poder tomar banho ou cozinhar, pois a qualquer momento a sirene toca e você tem que buscar abrigo. É medo o tempo todo”
Camilo Zeitoune Seleguini
Conforme a Agência Brasil, mais de 6 mil pessoas morreram no conflito entre Israel e Hamas, conforme os últimos dados disponíveis. Segundo o Ministério da Saúde do Estado da Palestina, o conflito deixou 4.651 mortos e 14.245 feridos na Faixa de Gaza. Em Israel, são 1,4 mil mortos, a maioria no ataque de 7 de outubro. Conforme relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgado no sábado (21), mais de 18 mil pessoas foram feridas, sendo a maioria de palestinos. Mais de 1 milhão de pessoas tiveram que deixar as próprias casas por conta do conflito.
Há mais de 20 dias, o mundo acompanha a escalada da violência na guerra entre Israel e Hamas, no Oriente Médio. O atual conflito teve início com o mais grave ataque já promovido pelo grupo Hamas contra os israelenses, no dia 7 de outubro. As ações, sem precedentes na história, foram realizadas por mar, ar e terra e envolveram ataques ao público que participava de um festival de música, invasão de comunidades em Israel, sequestro de reféns, deixando centenas de civis israelenses mortos e feridos.
Em retaliação, Israel desencadeou forte operação de bombardeios à Faixa de Gaza, área com população majoritariamente palestina e controlada pelo Hamas. Este é o conflito mais grave desde que Israel e o Hamas se enfrentaram por 10 dias em 2021. O ataque do dia 7, que pegou Israel de surpresa, ocorreu um dia após os 50 anos da Guerra do Yom Kippur, conflito armado entre árabes, liderados pelo Egito e pela Síria, e Israel, em 1973, em disputa das terras perto do Canal de Suez. A guerra entre Israel e Hamas tem origem na disputa por territórios que já foram ocupados por diversos povos, como hebreus e filisteus, dos quais descendem israelenses e palestinos. Em diferentes momentos, guerras e ocupações, eles foram expulsos, retomaram terras, ampliaram as áreas e as perderam.
Foto: Cedida
Homenagem às vítimas na praça Diezengoff em Tel Aviv