Pobre menina

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 21/02/2025
Horário 08:09

Natalina dos Santos nasceu na Favela do Dendê, dominada pelo tráfico, comandada pelo traficante Anésio, mais conhecido como o "Caolho". Ele sempre diz com uma ironia fina: "Feliz sou eu, que enxergo a realidade pela metade". 
Os pais de Natalina vieram do sertão pernambucano fugindo da miséria. Seu avô já estava bem velho e não aguentaria a dura viagem, ficou ao Deus dará. O magro cachorro Tubarão ficou abanando seu rabo sem muita força. A fome é cruel, roncava mais alto. Viajaram num caminhão de pau de arara com o sol queimando suas lágrimas. Sua mãe estava grávida dela. Seu pai carregava na sua vida de vaqueiro retirante, a indignação de ser sempre explorado pelos patrões gananciosos e mentirosos. A miséria fez dele um homem bruto, mas quando tocava suas mãos calejadas na barriga de sua mulher, sentia uma nova esperança, seu olhar ainda expressava um pouco de ternura. Foram em busca de dignidade. 
Natalina dos Santos acabou nascendo no morro do Dendê. Teve uma infância difícil e uma adolescência cheia de problemas. A beleza não nasceu com ela, não foi um presente de Deus. Nunca teve um namorado e a sensação de amor só sentia através dos personagens da novela das oito da Rede Globo. Pura ilusão. Lá no seu quarto sozinha, ela sonhava com um príncipe encantado que nunca apareceu. Sua solidão aparecia no seu olhar nublado. Rezava sempre antes de dormir e pedia a Deus um pouco de felicidade. Sua vida era uma pilha de decepções, mas sua alma não era pesada, era apenas uma pobre menina empregada doméstica. 
Gostava da música “Sabiá”, de Luiz Gonzaga, e a letra de Zé Dantas, onde esse poeta pernambucano retratava a realidade do povo nordestino, carentes de políticas públicas sérias. Sempre estiveram presos no assistencialismo e no populismo. Seu coração se alegrava quando sua patroa elogiava sua honestidade. Isso herdei do meu pobre pai, dizia orgulhosa. E lá vai ela sonhando com uma vida de novela. 
Um dia conhece Wilbert que, com sua voz melodiosa, canta um samba de Paulinho da Viola, composto por F. Maltitano: "É de teus olhos a luz/ que ilumina e conduz/ minha nova ilusão"... Seu carente coração era como uma flor em botão. Se sente desejada e se entrega numa paixão fugaz. Fica grávida e Wilbert some do morro do Dendê, deixando a desilusão abraçar essa pobre menina. Ela carrega uma nova vida pulsando na sua barriga, vai ter alguém para amar pelo resto de seus dias. Seu filho vai se chamar Wilbert.  
Todos os dias olha pelo vidro da janela da sua simples casa, enquanto a chuva vai caindo lá fora. Espera que um dia ele apareça. Seu coração não está mais angustiado e sente que sua vida ficou mais sentimental. Pobre menina humilde, foi consumida por uma paixão repentina e num toque de aventura deixou seu coração ser  anestesiado por um prazer efêmero. Natalina dos Santos conheceu por um instante o desejo de amar, mesmo sendo de um malandro que deixou uma nova ilusão adormecer na palma da sua mão. 
Para Natalina, esse desejo que caiu como uma estrela cadente e foi rápido como um raio, foi obra de Deus.   Ela considera sagrado. Com seus olhos cheios de esperança olhando pela janela, começa a cantar baixinho a musica “Sabiá”, sua música preferida: 

"Tu que andas pelo mundo (sabiá)
Tu que tanto já voou (sabiá)
Tu que fala aos passarinhos (sabiá)
Alivia a minha dor
Tem pena d'eu (sabiá)
Diz por favor
Onde anda meu amor..."

Publicidade

Veja também