O Morro do Adeus tem um novo dono. O bicheiro Aniz foi morto por um jovem pobre e analfabeto. Corajoso e ambicioso, o jovem Pará foi o assassino. Aniz era um bicheiro das antigas. Recusava abrir o morro para a venda de cocaína e se esqueceu que a ambição dos homens não tem limites. O bandido Del Rey, seguindo as ordens de uma recém-criada organização criminosa, deu a geral para tomar o Morro do Adeus. Del Rey subiu o morro como um devorador de mundos. O pó dá muito mais grana e é muito mais violento do que o jogo do bicho.
Aniz foi assassinado com um tiro no peito. Ele vinha vindo de uma festa que ele próprio deu para a comunidade. Andando bêbado pelas vielas da favela, abraçado a duas prostitutas, sorria se sentindo o dono do mundo. Pará o chamou pelo nome com o três oitão armado de ódio. Aniz com aquele ar de Rei do Morro já foi logo dando uma dura no moleque: Você de novo? Não te falei que da próxima vez que te visse eu iria te meter bala seu moleque. Vou matar você e seu Tio Leônidas.
Pará tinha uma paixão por Rebeca, que quando criança foi abandonada pela mãe e pelo pai alcoólatra. Sua avó era viciada em jogos e ficou devendo para o Aniz. Ela para pagar sua dívida vendeu Rebeca para Aniz, ela tinha apenas 7 anos. Não existe certo ou errado nesse mundo dos esquecidos. Existe é sobrevivência. É a lei do cão. Pará era apaixonado por Rebeca e foi intimado e ameaçado a não chegar perto de Rebeca. Mas o amor vence o medo. Tinha sido humilhado várias vezes pelo Aniz. Gostava de Rebeca e Rebeca gostava dele. Os dois eram dois perdidos nesse mundo sujo.
A viela estava pouco iluminada. A lua ajudava a clarear com sua luz pálida de pouca intensidade. As duas prostitutas saíram de perto de Aniz que continuava a ofender Pará. Quando Aniz chegou mais perto com seu bafo de pinga, gritando e cuspindo salivas de ofensas, Pará apontou o três oitão e apertou seu dedo com gosto de raiva no gatilho. O estampido causado pela pólvora da bala deu o estouro e a morte saiu do cano do revólver com uma velocidade de quase 700 km/h atingido o peito de Aniz que cambaleou gemendo de dor. Foi um tiro só para que a morte sorrisse e chegasse rapidamente levando Aniz não sei pra onde.
A notícia chega rapidamente aos ouvidos de Del Rey. O nego Sabará viu tudo. Quando Pará aparece, Del Rey diz: Você apareceu na minha frente pedindo emprego e respeito. Então você vai ter respeito e emprego. Pega um fuzil Avtomat Kalashnikova, mais conhecido como AK 47, coloca sobre o corpo de Pará como se fosse um manto sagrado. Um monte de tiros é disparado no ar comemorando que o Morro do Adeus tem um novo Rei. Pará todo orgulhoso vê Rebeca sorrindo. Parece que pela primeira vez ele viu a cor da felicidade nesse mundo sem cor. Viviam o dia como se não houvesse amanhã. Se casaram ao som de funk e de tiros.
Gostavam de frequentar o bar do Burro Branco, um nordestino raçudo que saiu da miséria do sertão pernambucano. Dançavam de rostos colados sentindo a ternura ao som de “Il Mundo”, do compositor italiano, Domenico Modugno. Era a música preferida deles. Mas a felicidade se esquiva rapidamente como uma borboleta quando é perseguida.
Numa noite quente, Pará com as narinas inchadas de pó se sente um super homem, acreditava que era o protegido de Ogum, protetor na guerra do dia a dia e recebe um tiro mortal de fuzil e é morto num confronto. Rebeca de apenas 16 anos está grávida de quatro meses. Ela já aprendeu a viver e conviver com as perdas desde sua sofrida infância. Enterrou Pará numa cova simples e escreveu na lápide com um pedaço de carvão: "Lembrarei sempre do seu sorriso quando me via. Era a única arma que tínhamos contra a dor que sentíamos"...
"Oh mondo
Soltanto adesso io ti guardo
Nel tuo silenzio io mi perdo
E sono niente accanto a te
Il mondo
Non si è fermato mai un momento
La notte insegue sempre il giorno
Ed il giorno verra"...