O preço da lacração nas redes sociais

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 11/02/2025
Horário 06:00

- Ana, preciso que você me passe o desfibrilador agora! O ritmo cardíaco está irregular.

- Aqui está, doutor. Ele está estável?

- Não ainda. Precisamos agir rápido.

- O que está acontecendo aqui? Por que não há mais médicos atendendo na recepção? Estou aqui para fiscalizar!

- Saia da sala, por favor. Quem é esse?

- Sou o vereador Canudinho, fiscal do povo. Tem gente lá fora para ser atendido e vocês aqui nesta reuniãozinha.

- Tire este homem daqui, rápido! Ana, aumente a voltagem. Afastem-se! 

- Não vou me afastar. Tenho meus direitos.

- Estamos em uma situação de emergência cardíaca, saia logo.

- Quero respostas. O povo precisa saber sobre o que está acontecendo. Que aparelho é esse?

- Não encoste, saia. Está me desconcentrando.

- Doutor, aqui. Quer mais voltagem? 

- Esqueça, Ana. Perdemos o paciente. Hora do óbito, 23h14. Chame a polícia agora porque quero denunciar este indivíduo por homicídio com dolo eventual.

- Ah, pronto. Além de não trabalhar, agora quer me processar? Pois processe. Tenho imunidade parlamentar.

- Então use esta imunidade quando for confrontado com a família do senhor Alceu, que acabou de morrer após você desestabilizar todo mundo aqui dentro. Senhor policial, quero que coloque no boletim de ocorrência que este senhor interrompeu bruscamente um atendimento de emergência e colaborou sobremaneira para a morte de um idoso em emergência cardíaca. 

- Canudinho, por que você fez isso? Já viu nas redes sociais como esta história se alastrou? 

- Eu só fiz o que muitos outros colegas no Brasil inteiro fazem. A gente precisa fiscalizar quem recebe dinheiro público.

- Pois é, mas por qual razão você usar o celular e as redes sociais para isso? Não é para lacrar e ganhar seguidores? Há maneiras muito mais efetivas para uma fiscalização, especialmente quando elas atentam contra vidas humanas. 

- Não há, não. Do jeito que o senhor fala até parece que as pessoas sabem o que acontece. O senhor mesmo é presidente da Câmara e não posta nada. 

- Não sou pago para postar. Sou pago para trabalhar. Tenho visto que os gabinetes de muitos vereadores aqui, inclusive o seu, têm virado apenas estúdios de gravações para lacrar na internet. Vendem um peixe que não conseguem entregar e pior, ainda usam dinheiro público para isso.

- Mas é este público mesmo que paga impostos e quer me ver fazendo isso. Eles gostam.

- Pois é, mas então comece uma vaquinha com este seu público porque o seu advogado de defesa não vai poder ser pago com recursos da Câmara. 

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