“O jornalismo é uma passagem que guardo com muito carinho na minha vida”

- ANDRÉ ESTEVES

Data 23/09/2018
Horário 05:01
José Reis - Barbosa da Silveira foi autor da coluna Sociedade em Tópicos, em O Imparcial, por mais de 50 anos
José Reis - Barbosa da Silveira foi autor da coluna Sociedade em Tópicos, em O Imparcial, por mais de 50 anos

Seu nome de batismo é José Vinicius Barbosa da Silveira, mas foi com o famoso sobrenome que assinou diariamente a seção Sociedade em Tópicos por mais de cinco décadas. Aos 93 anos, o jornalista prudentino decidiu aposentar sua coluna em O Imparcial para cuidar da saúde em um retiro de idosos. Ainda que não frequente mais a sede do jornal com assiduidade, o colunista faz questão de manter a proximidade a partir da leitura do periódico, cujas edições chegam todos os dias em seu quarto. Queixando-se de uma inflamação renal, ele não permite que a dor o impeça de relembrar a sua trajetória como jornalista, profissão que não esperava exercer até ser convidado para compor o quadro deste diário. Uma vez que Prudente ainda não dispunha do curso de graduação no momento em que começou a carreira, ele aprendeu as técnicas jornalísticas por meio da prática diária, numa época em que nem mesmo as escassas tecnologias impediam a checagem das informações. Se lhe faltava o transporte, Barbosa da Silveira apurava suas pautas a pé.

Embora tenha feito seu nome em Prudente, o jornalista é paulistano e se mudou para o interior após uma oferta de emprego na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que deu lugar para a FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista). Ali, ocupou o cargo de secretário até migrar para O Imparcial, onde desempenhou as funções de repórter, revisor e colunista social. A experiência profissional levou uma de suas colegas de trabalho a apelidá-lo de “Mestre” – alcunha que, até os dias de hoje, é utilizada pelos colaboradores ao se referirem a Barbosa da Silveira. Durante toda a entrevista, ele se mostra modesto em relação ao legado que deixa para o jornalismo e diz não estar acostumado a ser personagem ao invés de jornalista. Em uma conversa de quase uma hora, revela com orgulho que, mais do que mestre, sempre foi um aprendiz. Acompanhe nas linhas a seguir:

 

O Imparcial: De que forma começou a sua carreira como jornalista?

Barbosa: A princípio, eu trabalhava como secretário da extinta Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Na época, fui convidado pelo professor Joaquim Alfredo da Fonseca [primeiro diretor da instituição] para colaborar com o jornal. “Estou à disposição. Faço o que o senhor quiser”. Assim começou a minha vida como jornalista. Comecei cobrindo os fatos em todos os cantos da cidade e depois ingressei com a coluna social.

 

O senhor sempre teve interesse pela profissão ou foi algo que aconteceu na sua vida?

Quando entrei para o jornal, tomei gosto por este ofício e fui me dedicando de toda maneira. Eu não era jornalista – e não sou jornalista, porque não fiz faculdade. Aliás, nem existia faculdade de Jornalismo em Prudente na época em que comecei. Quando o curso foi instituído em Prudente, eu já estava no jornal há quase uma década. Decidi que já não faria mais, embora nunca seja demais fazer uma faculdade.

 

Em que momento da carreira o senhor se torna colunista social?

No início, havia um rapaz que era responsável pela coluna social. Um dia, ele pegou a mala de repente e foi embora, sem dizer se ia voltar. O diretor veio até mim e perguntou se eu queria assumir o lugar dele. “Faço qualquer coisa”. Foi quando comecei a escrever a Sociedade em Tópicos. Desde então, mais de 50 anos se passaram. A coluna saiu diariamente durante todo esse período, mas resolvi deixá-la. Já não aguento mais por conta dos problemas de saúde. Como passei a ficar doente e não conseguia escrever todos os dias, cheguei à direção e falei: “Continuo vindo aqui, mas para olhar os outros”. Eu não saí do jornal, me afastei.

 

Em que consistia a coluna na época?

Eu basicamente ia a todos os eventos que fossem possíveis e para os quais eu era convidado. O sujeito vinha até mim e dizia: “É aniversário da minha mãe. Você está convidado”. Então eu dizia: “Vamos lá”. Fazia foto da mãe e depois escrevia no dia seguinte. Com isso, fiquei conhecendo muita gente em todos os cantos – não só pessoas da alta sociedade, mas de todas as camadas. Onde dava para ir, eu estava.

 

O senhor gostou mais de ser colunista ou repórter?

Não é que a coluna social seja mais importante, mas deu mais ênfase para mim. Se bem que, dentro do jornal, eu não assinava só a Sociedade em Tópicos. Fazia de tudo um pouco. Em uma cidade modesta como Prudente, você ficava encarregado de fazer um pouco de tudo. Certa vez, fui cobrir um acidente para cá de Santo Anastácio. Um carro bateu em outro e o motorista foi jogado para fora do carro e caiu no meio do mato. Fomos lá às 17h e voltamos ao jornal só às 20h30. Naquele dia, o [jornalista] Mário Peretti ordenou que desmanchasse uma página inteirinha. “Põe de lado, pois vai ser uma inteira de bomba”. Se o pau quebrava não sei onde, eu ia. Aprendi muito. Foi fantástico.

 

O que o jornalismo representa para você?

O jornalismo foi um aprendizado maravilhoso, porque sou formado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; e Estudos Sociais na Toledo Prudente Centro Universitário. Quando o curso de Jornalismo chegou aqui, eu já tinha quase dez anos de jornalista sem ser jornalista. É algo que fui aprendendo e é uma passagem que guardo com muito carinho na minha vida. Se eu não tivesse me tornado jornalista, certamente seria professor na faculdade, mas gostei desse desvio do destino.

 

O que mudou no jornalismo ao longo dos anos?

Eu acho que uma das principais mudanças foi o aprendizado que se tinha naquele tempo e o que se tem hoje. Na época em que comecei, o jornalismo em Prudente estava só começando. Você entrava em O Imparcial e ia aprendendo conforme as transformações aconteciam. Hoje, o jornal está consagrado. Há muitos que saíram de lá e são crânios no Brasil. Um deles é o Luiz Fernando Ávila, que escreveu para o periódico até 1986 e hoje é editor-chefe do “Jornal Hoje”, da TV Globo.

 

Em meio a todas as transformações que o jornalismo vivenciou, há algo que se perdeu com o passar do tempo?

Eu acho que nada ficou perdido. Pelo contrário, as coisas se aprimoram e aqueles que chegam depois fazem proveito delas. Na realidade, tudo ficou melhor. O Imparcial, por exemplo, começou pequenininho e depois subiu. Funcionava em um prédio alugado e hoje tem um próprio. O projeto gráfico evoluiu várias vezes e as páginas ficaram cada vez mais bonitas. A produção da notícia também ficou mais fácil. Antes, não tínhamos o carro, tinha que ser a pé. O que andei na minha vida... Deve ser por isso que estou vivendo até agora e não sou tão gordo. Atualmente, é possível fazer tudo por telefone e com o auxílio da internet. Eu mesmo não peguei essa parte da internet. Quando o carro chegou, ele nem sempre estava disponível, então eu ia aos locais com minhas próprias pernas. Às vezes, eu telefonava para a Redação: “Espera aí que vai ter uma matéria importante, mas eu estou longe, está bem? Não fecha a página”. Quando eu chegava, a página estava aberta e tinha um espaço na primeira página para colocar uma chamada. Era gostoso, mas difícil.

 

Como era um dia comum na vida de um jornalista?

Geralmente, a direção nos dava uma pauta e eu ficava livre para executá-la. Ligava só para informar onde eu estava. Quando chegava, escrevia o texto. Em certo momento, eu era o revisor das matérias. Muitas vezes, o repórter terminava tarde da noite e a correção ia até o início da madrugada. Hoje, às 21h, o jornal já está praticamente pronto. Às vezes, vou à Redação e falo: “Bonito, hein? Já vão para casa, seus picaretas. Na minha época, eu estava começando agora”. Eles reconhecem: “O senhor trabalhou na parte mais difícil”. Atualmente, a edição é mais fácil por causa do computador. O processo só atrasa se matam o prefeito, que é autoridade. No meu tempo, assassinaram o prefeito Florivaldo Leal a pauladas. Era fim de tarde e eu tinha acabado de sair da Prefeitura. Estava voltando para o jornal quando me ligaram e pediram para eu dar meia volta, pois haviam matado o prefeito. “Mas como, se conversei com ele agora?”. O cara esperou ele sair do gabinete e se aproximar do carro, deu duas pauladas e o matou. Florivaldo Leal. Esse camarada era um monstro.

 

Quais histórias mais o marcaram como jornalista?

Estou ficando velho e não consigo lembrar de mais nada. Há grandes passagens, mas puxar na memória é difícil. Enquanto colunista social, registrava o cotidiano de muita gente diferente. Inclusive fiz alguns inimigos – inimigos gratuitos. Certa vez, um cara me ligou falando todos os nomes feios do mundo e mais alguma coisa que ele inventou. Seu nome tinha saído errado. Ouvi a bronca todinha e depois falei: “Olhe, senhor, me desculpe, sei que está bravo e vou ver o que aconteceu”. O jornal já tinha saído, então precisei colocar uma correção no dia seguinte pedindo desculpas para o sujeito. Em meados em 2000, apareceu um homem atrás de um fulano. Estava ameaçando a vida dele. Eu lhe respondi que o jornal não era lugar de matar alguém. “E eu vou esperar que você não o encontre, pois senão terei que dar a notícia da morte” [brinca]. Tinha esposa que também ligava me esculhambando porque o aniversário do marido não saiu. “Minha senhora, com licença, a senhora está mais calma? Se eu não pus o nome dele, há duas hipóteses: ou eu não tenho o nome do sujeito ou esqueci. Eu tenho o nome?”. Ela respondeu que não. “Então por que a senhora está descontando em mim?”. Levei uma bronca à toa.

 

O jornal frequentemente recebe ligações de leitores interessados em saber sobre o fim da coluna. Que mensagem o senhor deixa para essas pessoas que lhe acompanharam diariamente por tanto tempo?

Eu aproveito essa oportunidade para registrar os meus mais profundos agradecimentos a todos os leitores que me prestigiaram durante o meu tempo de atividade como redator do jornal. Agradeço a todos que me deram força e agradeço até hoje. Com muitos, eu me encontro ainda. Hoje, estou com uma dor aqui [aponta para o rim] que me impede de voltar. Eu estou conversando com você e a dor está aqui. Mas não posso me entregar.

 

Quanto aos futuros jornalistas que exercerão o ofício de informar, qual orientação o senhor dá para esses jovens profissionais?

Tem que haver preparo, pois o jornalismo não é brincadeira. E é preciso prestar muita atenção no que se escreve e será transmitido, pois se você fizer coisa errada, o leitor estará atento.

 

O que o senhor espera da vida agora?

Todos nós temos um fim. Com a idade que estou hoje, 93 anos, ainda estou feliz porque vou ter um fim bem mais tarde. Vivi muitos anos e vivi muito bem. Problemas de saúde acontecem com toda a gente. Estou satisfeitíssimo. Tenho colegas maravilhosos e espero que tenha dado certo tudo o que fiz. Quem vai julgar isso são os outros. Eu não julgo nada.

 

Que legado o senhor deixa para a sociedade prudentina e o jornalismo de forma geral?

Não sei se deixo um legado. Só espero que os colegas que virão depois de mim – e serão muitos – tenham como objetivo transmitir notícias que todos os leitores entendam. Se eles fizerem isso, estarão muito bem. Por causa da minha formação familiar, tudo que fiz na vida foi direito.

 

 

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