Há pelo menos duas semanas que Yasmin não dormia direito. A questão era que a mala dela não era grande o suficiente para caber toda roupa e também lençol, toalha e acessórios. Depois da alegria do resultado, ela viva um drama, com requintes de alterações de humor próprias de quem está na passando dos 17 para os 18 anos.
A mãe não a entendia bem, o pai fingia não ser com ele e o irmão só ria e ainda colocava mais gasolina na fogueira: “Chata e feia desse jeito, quero só ver se vai conseguir morar junto com outras meninas”. Yasmin queria matar, mas sabia que não dava e as forças deveriam ser guardadas para o grande dia. Ia precisar de todas elas quando enfim pisaria na cidade que escolheu para viver o maior sonho.
A menina chegou desconfiada na rodoviária: “Meu pai podia ter me trazido, né? São só 300 quilômetros. E eu nem conheço nada nessa cidade. Presidente Prudente quer dizer o quê, mesmo? Sei lá. Preciso achar um carro para me levar até a república”.
Conhecer alguém ela não conhecia mesmo. A casa com mais seis garotas foi escolhida porque uma delas era filha de uma amiga da mãe. Nem parente era.
O coração nem bateu direito quando chegou e tocou a campainha: “Oi, sou a Yasmin. Vim morar aqui. Sou filha da Adélia, amiga da mãe da Luiza. Você conhece a Luiza? Ela deve saber quem eu sou e…”. A menina que atendeu a porta virou-se para dentro de casa e a deixou falando sozinha. Ela olhou para os lados, enxugou o suor dos quase 40 graus que fazia. Pensou em tocar a campainha de novo, mas queria mesmo era chorar: “O que eu estou fazendo aqui? Queria minha vó, meu quarto, até meu irmão tonto viria bem agora. Saco. E esse cachorro ali na frente. Tenho medo de cachorro. Quer saber, vou embora daqui. Vou voltar para minha cidade. Acabou o sonho.”
“Yasmin! Onde você vai criatura? Sai desse sol, entra aqui em casa. Sou a Luiza.”. Ela não sabia se ria ou chorava. Quis saber sobre a primeira menina que a atendeu, mas Luiza já disse: “Não liga para a Samantha. É uma chata mesmo e está p... da vida porque tomou um toco do boy dela”.
Yasmin não quis pensar muito em tudo isso, não. Voltou para o grande dia, que estava perto, menos de 48 horas e quando enfim chegou o momento arrumou-se com um laço na cabeça e uma presilha. Depois desfez tudo e achou que estava muito arrumadinha perto das amigas. Não gostou de ver a amiga sair de casa com chinelo e meia, arriscou sair assim também, mas se lembrou que não tinha aquele tipo de chinelo. Fez o laço de novo, arrumou a bolsa, colocou o mini-ursinho da sorte dentro, encheu a garrafinha de água e rezou como a avó tinha ensinado: “Anjinho da guarda, meu bom amiguinho, me leve sempre pelo bom caminho”.
E assim foi. Não conseguiria descrever a emoção a quem perguntasse quando passou pela entrada e seguiu rumo ao local combinado. Os prédios, as placas, as árvores, os carros parados, gente e mais gente saindo de todos os lados, uns conversando, outros mais assustados que ela e alguns tão encantados quanto. Tropeçou em uma placa de concreto no chão, machucou a ponta do dedinho. “Será que alguém viu? Saco, como sou desastrada”. Caminhou firme quando percebeu para onde todos iam e ao chegar lá não conteve as lágrimas. Tentou enxugá-las, mas foi em vão. “Que lugar bonito. Nunca vi uma sala assim, com cadeiras acolchoadas e enfileiradas em um semicírculo que terminava na enorme mesa onde algumas pessoas testavam o som e a projeção.
Quis ligar para casa e contar tudo que via, mas ficou com vergonha, claro. Não iria dar este mole ali. Olhou para o lado e ficou mais calma ao perceber que alguns meninos e meninas estavam tão assustados quando ela.
E de fato, aos poucos o seu coraçãozinho batia mais devagar. Foi se acostumando com a luz, a algazarra, falou seu nome para a menina ao lado e ganhou dela um adesivo do curso. A mesa grande lá na frente foi sendo preenchida e logo alguém iria falar. O discurso mais esperado, o texto mais esperado de toda sua vida até o momento e lá vai Yasmin botar lágrimas para fora de novo.
E de repente, com uma coragem que surgiu do nada, fez uma selfie e postou com a frase: “Enfim, o primeiro dia de aula na universidade! Viva eu!”.