Quem passa frequentemente pela Praça Monsenhor Sarrion, no Centro de Presidente Prudente, provavelmente já viu ao menos de longe uma figura constantemente presente no local: o autônomo Gervásio Rosa dos Santos, 56 anos, que comanda um carrinho de pipoca instalado diante da Catedral de São Sebastião. Ele se instalou ali após herdar o equipamento do avô de sua esposa, Edna Álvares dos Santos, 46 anos, que ajuda o marido a gerenciar o negócio durante a tarde.
Embora tenha vivido metade da sua idade em território prudentino, Gervásio é natural de Junqueirópolis e chegou a Prudente aos 28 anos, exercendo algumas atividades como empregado. O gosto de se relacionar com o público, no entanto, levou o vendedor a pedir demissão de um emprego com registro em carteira para investir no serviço autônomo. Ele afirma não se arrepender da decisão, uma vez que conseguiu, por meio da venda de pipoca, criar e formar seus dois filhos, Lucas, 22 anos, e Gisele, 26 anos, ambos professores.
Com uma renda equilibrada, Gervásio não se mostra um homem ambicioso. Assim como qualquer pessoa, faz planos para o futuro, mas acredita que, dentro de suas possibilidades, já alcançou tudo o que precisava para uma vida confortável. “Tenho moradia, carro e comida em casa. À medida que vou ganhando mais, tento comprar mais alguma coisa para deixar aos filhos no futuro. No entanto, o que tenho já me permite viver sossegado”, expõe.
O Imparcial: Por que o senhor decidiu se tornar pipoqueiro?
Gervásio: Nem eu sei bem o porquê. Este carrinho era da família. O avô da minha esposa ia parar e ofereceu para mim. Vim fazer o teste e estou aqui até hoje. Na época, eu trabalhava registrado, mas pedi as contas 15 dias depois de começar com a pipoca. “Não vou ficar mais, já estou em outro serviço”. Preferi essa atividade, porque sempre gostei de lidar com o povo e, como empregado, você mal consegue falar com alguém porque o encarregado já fica de olho em cima, mandando você trabalhar. Quando apareceu essa oportunidade, resolvi tentar, mas vim com medo no começo, pois eu estava registrado em uma firma e mudei para um ramo com o qual eu nunca tinha mexido. Era um risco que eu assumia. Deu certo. Nunca mais trabalhei registrado para ninguém. O carrinho virou definitivo e, com ele, consegui sustentar a minha família.
O senhor sempre esteve nesse ponto?
Sempre na praça, mas antes eu ficava lá na ponta [diz apontando para o fim da calçada da Praça Monsenhor Sarrion], depois que vim para o meio. Esse ponto se tornou meu. Tenho contrato feito com a igreja [Catedral de São Sebastião]. A gente não sai daqui.
Os carrinhos de pipoca ainda são muito procurados pelo público?
Agora ficou difícil. Quando assumi o negócio, peguei a época em que a praça tinha muito movimento. Hoje, virou uma bagunça. Não vemos mais as famílias virem até aqui para se sentar, porque Prudente está um relaxo. Você não consegue sentar nos bancos e, quando senta, chegam três ou quatro pedindo dinheiro. Então, o pessoal sumiu da praça. Há 20 anos, as pessoas apareciam aos domingos. Agora, aos fins de semana, não tem mais ninguém. As famílias preferem ficar em casa ou ir ao shopping. Eu mesmo não trabalho mais de domingo. No sábado, fecho às 17h e só retorno na segunda-feira, pois não compensa mais. No começo, eu trabalhava direto. Nos feriados, aqui enchia de gente. Infelizmente, não há nada que incentive os cidadãos a virem à praça. Se houvesse alguma atração qualquer para atrair as crianças, acho que até viriam, mas não há.
Mesmo com a queda nas vendas, o negócio ainda é rentável?
As vendas caíram bem, cerca de 30%, e diminuem mais a cada ano, porque o povo vai vindo menos. Hoje, quem compra mais são as pessoas que esperam nos pontos de ônibus. Para tirar um lucro positivo, faço dois horários. Fico no período da manhã, depois volto às 17h e trabalho até 22h30. Durante a tarde, quem cuida é minha esposa. É isso que ajuda a controlar minha renda. Caso você me perguntar se tenho interesse de voltar a trabalhar como empregado, vou responder que não, porque com o que ganho aqui, ainda consigo pagar as contas. Reconheço que é um trabalho sem garantias, mas a gente paga o INPS [Instituto Nacional de Previdência Social] por fora. Não sinto falta de trabalhar registrado, não. Aqui está muito bom, bem melhor do que se eu estivesse empregado e com uma profissão que compensasse mais. O fato de trabalhar para você mesmo é diferente, porque o lucro é seu e não do patrão. Só que é aquele negócio: se não souber manejar o dinheiro, você não vai para frente. Não sobra nem para abastecer o carrinho depois. Não é apenas falar: “vou por um carrinho de pipoca aqui, trabalhar e pronto”. Se não souber planejar, não dá certo. Supomos que você venda R$ 100 no dia e já gasta essa quantia em seguida. Como vai abastecer o carrinho depois? Tem gente que não pode ver dinheiro na mão. Recebe R$ 10 e quer gastar R$ 15. É preciso saber se controlar. Graças a Deus, tudo o que tenho hoje foi tirado daqui.
A pipoca sempre foi o seu principal produto? Qual a mais pedida?
Sim. Quando comecei, o pessoal só trabalhava com pipoca, porque era o que as pessoas queriam comer quando vinham à praça. Virou uma tradição aqui no centro. E o maior número de pedidos é pela doce.
Houve conflitos com a Prefeitura?
Bastante. Houve uma época em que a gente até precisou posar aqui para garantir o espaço. Quatro carrinhos mais o meu conseguiram ficar porque eram antigos, senão teriam saído todos. Mas se, naquele dia, a gente tivesse tirado o equipamento da praça e guardado, a gente não voltava mais, pois não deixariam. No entanto, isso tem mais de 11 anos. Depois dessa confusão, fizeram um contrato com os cinco carrinhos, mas que nos impede de vendê-los ou alugá-los. Estamos despreocupados, apesar de que, mesmo com tudo isso, eles ainda podem mexer se quiserem. Hoje, pago uma taxa mensal para a igreja e o imposto anual de serviço para a Prefeitura. Por enquanto, está tudo regularizado.
É possível fidelizar o público com esse tipo de negócio?
Sim, tenho clientes que já vêm há quase 20 anos, inclusive o pessoal que estudou no Arruda Mello [escola técnica]. Essa turma casou, teve filhos e ainda compram comigo. Havia alguns alunos do IE [Escola Estadual Fernando Costa] que até guardavam o material no carrinho. Hoje, eles chegam aqui e comentam: “Você lembra quando eu guardava material no seu carrinho para sair no fim de semana?”. Aqui é bom, porque você cultiva amizades.
Qual a importância da parceria com sua esposa?
Ela é meu braço direito. Trabalhar sozinho fica difícil, por que como vou cuidar da compra de mercadorias se eu estiver aqui o tempo todo? Não tem jeito. Eu teria que fechar o carrinho. Então, ela vem e gerencia o negócio durante a tarde enquanto eu resolvo os problemas que precisam ser resolvidos. Com isso, temos conseguido levar uma vida boa. Não é ruim, não.
A recente crise econômica afetou a sua renda?
Eu não acho, porque fomos controlando as despesas. É preciso se adaptar ao cenário. Se o momento estiver bom, você pode gastar um pouco mais. Agora se estiver ruim, é melhor segurar.
O senhor já pensou em expandir o seu negócio?
Não pensei e nem quero, porque um estabelecimento comercial requer mais responsabilidades do que um carrinho. Você vai ter que colocar funcionário e ter despesas com ele. Além disso, é mais trabalhoso, porque há a necessidade de abrir firma – um monte de burocracias. Esse trabalho nosso é legalizado, mas não precisa desse monte de coisa. É mais familiar. Vejo o pessoal da loja fechando as portas, porque abrem um negócio pensando que vai dar certo e, no fim, tomam prejuízo. Melhor ficar aqui até quando der. As únicas despesas que temos são com o combustível e o abastecimento do carrinho.
Quais são os desafios de ser um vendedor autônomo?
Aqui na praça, não há, porque não temos nem mesmo concorrência com os outros carrinhos. Os preços praticados pelos pipoqueiros são todos iguais. Os preços que você encontra aqui, também encontrará no outro. É claro que se chega uma pessoa com uma criança e, às vezes, não tem R$ 2 para comprar a pipoca – pois vejo gente vir sem ter sequer R$ 0,50 –, coloco menos no saquinho ou então dou de graça. Vai da bondade da gente.
O senhor desempenharia outra atividade?
Não penso em uma alternativa. Primeiro, pela idade e, segundo, porque encontrar serviço está difícil. Não adianta você ficar mexendo muito em uma coisa. Se perceber que está bom, na verdade, bom mesmo nunca está, mas se estiver mais ou menos bom, é melhor ficar quieto. Se eu saio de um lugar e vou para outro, há sempre o risco de tomar na cabeça e não conseguir voltar atrás. Então vou ficar quietinho no lugar que estou. Aqui é confiável, todo dia pesco alguma coisa. É tipo uma pescaria. Estou pescando.