“Não tem fim do mundo, tem o fim de nós”, diz Ailton Krenak sobre crise climática  

Primeiro indígena a figurar na Academia Brasileira de Letras esteve neste mês no Sesc Thermas Prudente, para ministrar a palestra “Ideias para adiar o fim do mundo – Perspectivas originárias de futuro”

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 30/06/2024
Horário 08:12
Foto: Caio Gervazoni
Quando esteve em Prudente, Ailton Krenak recebeu a reportagem de O Imparcial e trouxe seu ponto de vista a respeito do futuro da vida humana neste planeta
Quando esteve em Prudente, Ailton Krenak recebeu a reportagem de O Imparcial e trouxe seu ponto de vista a respeito do futuro da vida humana neste planeta

Presidente Prudente recentemente recebeu Ailton Krenak,, líder indígena, ambientalista, filósofo e poeta. Krenak, o primeiro indígena na Academia Brasileira de Letras, ministrou a palestra “Ideias para adiar o fim do mundo – Perspectivas originárias de futuro” no Sesc Thermas Prudente na terça-feira do dia 18 de junho. Naquela tarde, Krenak recebeu a reportagem de O Imparcial, que conversou com ele sobre o futuro da humanidade e a crise ambiental.

O Imparcial (OI): Seo Krenak, qual a importância de trazer um debate sobre a questão climática para o oeste paulista?

Ailton Krenak (AK): Estar aqui no que os locais chamam de oeste paulista me põe em contato com um período muito recente de nossa história, quando os guaranis e os caingangues tinham por aqui os campos de caça, áreas por onde estas duas etnias preambulavam e temporariamente estabeleciam seus aldeamentos. 

A invasão e a modernização, especialmente a partir da década de 1920, resultaram em desmatamento e degradação do solo. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura tem divulgado relatórios constantes sobre o empobrecimento da camada agriculturável do solo em vários continentes: na África, na Ásia e aqui na América. O que é interessante é que o continente americano é o que foi invadido tardiamente. Quer dizer, até o outro dia, ele não era uma terra invadida. Até outro dia, ele era um território cuidado pelos povos originários. Era um jardim.

Com a entrada da agricultura, principalmente, a europeia – que é uma agricultura intensificada – e a modernização, com o advento do que eles chamam de “revolução verde”... Olha, a gente tem que ter um alerta: onde se lê “revolução verde”, leia-se “agrotóxico, maquinaria e uma espécie de mecanização geral de toda atividade da agricultura”, retirando o humano, e introduzindo a máquina, ao ponto de algumas regiões nossas hoje todo o ciclo ser feito por computadores e máquinas inteligentes. 

OI: O que o senhor entende por desenvolvimento sustentável?

AK: Essa expressão é um paradoxo. Desenvolvimento implica em deslocamento, enquanto sustentabilidade deveria preservar. A ideia de desenvolvimento sustentável é desconexo, é paradoxo, é sem pé e sem cabeça.

A sustentabilidade é um mito corporativo. Um mito criado pelas corporações para enganar a gente. Seria como você abrir uma festa e dizer para o pessoal: “pode comer e beber que nunca vai acabar”. Qual é a possibilidade disso ser uma mentira? 50%? 90%? 100%? É lógico que vai acabar a festa uma hora. O desenvolvimento sustentável é um bingo: “vai nessa que pode dar certo”. Esse é o desenvolvimento sustentável. 

Tem um crítico desta fúria consumista que diz que o capitalismo conseguiu produzir uma narrativa em que ele diz que a sustentabilidade estende o campo do consumo e da mercadoria, como se fosse um puxadinho. Tipo assim: você tem uma casa, mas agora casou a nora, o genro, a afilhada, o sobrinho e você puxa num barraco, uma extensão onde vai acolher aquelas necessidades novas. Se eu fosse desenhista, iria fazer uma caricatura assim: tem o mundo, aí tem o puxadinho do mundo, uma espécie de mundo B, que é uma falácia. Esse puxadinho não existe e uma hora ele vai cair na cabeça de todo mundo, mas as pessoas adoram ser enganadas. 

OI: O que é o fim do mundo para o senhor?

AK: Não tem fim do mundo, tem o fim de nós. Nós é que vamos ter um fim imprevisível e que nada tem a ver com sustentabilidade e desenvolvimento. A gente tinha que questionar porque um organismo da relevância da ONU (Organização das Nações Unidas) propõe o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que vende a ideia de que empresas e governos vão implementar mudanças do modo de produção e de comunicar estas mudanças para a sociedade, que vão nos assegurar condições de continuar vivendo no próximo milênio. 

É uma aposta insana. O Painel do Clima indica que até 2060 nós podemos, irrefreavelmente, alcançar o aumento de 1,5º C na temperatura global. Se isso acontecer, gente, mais da metade da população do planeta vai ser extinta em algumas semanas, vão derreter como lesma em uma calçada quente. 

OI: É possível reverter este cenário?

AK: Não consigo imaginar mudanças significativas, mas sim a necessidade de sair do ponto zero em relação às crises que estão imbricadas em crises como a de paradigma, a crise climática e penso que numa crise estrutural, porque nós não nos reconhecemos mais como uma humanidade que está indo para o mesmo destino. Nós estamos rachados.

Tem um antropólogo chamado Eduardo Viveiros de Castro que trabalha com o povo indígena da Amazônia. Ele viveu muito tempo com os Arawetés e entendeu com eles que a ideia do mundo que se sucede. Esse que nós estamos vivendo agora é uma segunda ou terceira edição de mundo. Outros já caíram. O livro a “Queda do Céu”, do Davi Kopenawa, conta as quedas de céus que já aconteceram, ou seja, os fins de mundo que os yanomami já passaram em passados imemoriais. Quer dizer, fora da História. Antes de a gente começar a contar a História cronológica, há outros mundos fora deste. 

Eu sinto que quando você consegue atinar com a ideia de outros mundos se sucedendo, e que este atual pode despencar e a gente vai ter outros mundos, ele diminui nossa ansiedade, tira a gente desta disputa instaurada de narrativas e deixa a gente observando a cena. Observa a cena ao invés de ficar levando canelada. 

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