Tem mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) circulando de mochila no Pontal do Paranapanema, que possui o maior remanescente de mata atlântica do interior - um dos últimos hotspots de biodiversidade global e moradia do animal.
Os micos carregam dois equipamentos: GPS e acelerômetro. É como se alguém acessasse o seu celular e soubesse por onde você andou, quantos passos deu, a que velocidade, e onde foi mais difícil caminhar, por exemplo, só que no caso do mico-leão-preto, ao invés do celular, ele tem a mochila. Até a primeira quinzena de fevereiro, quatro grupos de micos já estavam com as mochilas. A expectativa dos pesquisadores é a de que mais três grupos recebam o equipamento ainda no primeiro semestre.
Com o GPS, os pesquisadores vão conhecer os caminhos feitos pelo mico na floresta, a partir das coordenadas geográficas registradas a cada 10 minutos, ao longo dos 2 a 3 km que eles percorrem por dia. Já o acelerômetro conta a quantidade de passos dados por cada mico e o gasto de caloria por trecho. Toda essa tecnologia é bem levinha, claro. A mochilinha pesa apenas 18 g, cerca de 3% do peso do mico, já que um adulto pesa 600 g, em média.
Gabriela Cabral Rezende, doutoranda em Ecologia, Evolução e Biodiversidade (Unesp [Universidade Estadual Paulista – Rio Claro), mestre pela Escas-IPÊ e ganhadora do Whitley Awards pelo Programa de Conservação do Mico-leão-preto (IPÊ), explica quais informações os pesquisadores vão obter a partir da análise conjunta desses dados. “Será possível reconstruir o movimento dos micos e calcular, por exemplo, o gasto energético diário deles, a partir dessa movimentação”.
Com base nesses registros, os pesquisadores vão traçar estratégias capazes de melhorar a qualidade das florestas para os micos e apoiar os planos de ação para a conservação de primatas no Brasil e no mundo. "Todas as técnicas utilizadas têm um forte embasamento científico. As pesquisas feitas em campo nos revelam as necessidades da espécie, possibilitando a elaboração de estratégias para sua conservação, além do monitoramento do sucesso no uso dessas estratégias", completa Gabriela.
Pode acreditar, isso não é ficção científica. Trata-se de uma nova fase da pesquisa realizada pelo Programa de Conservação do Mico-leão-preto, do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), que está entre as iniciativas de conservação mais duradouras do Brasil, há mais de 35 anos em atividade. Essas pesquisas são realizadas em parceria com o LaP (Laboratório de Primatologia), da Unesp Rio Claro, e o Slam (Laboratório de Movimentação Animal), da Universidade de Swansea (País de Gales). A mochila utilizada pelo mico-leão-preto é o aprimoramento do colar de GPS, utilizado pela primeira vez em animais desse porte pelo IPÊ, no Brasil, agora com a inclusão do acelerômetro.
O mico-leão-preto está ameaçado de extinção e vive apenas no interior do Estado de São Paulo, em uma região bem específica ao sul do Rio Tietê (que corta o Estado ao meio).
As informações registradas na mochila são essenciais para os próximos passos do Programa de Conservação do Mico-leão-preto. Segundo estimativa do programa, 1,8 mil indivíduos vivem na natureza, mas eles estão concentrados em determinadas áreas. “A partir do segundo semestre de 2021, o manejo das populações começará a ser feito. Vamos movimentar alguns grupos para outras áreas de floresta que estão sendo conectadas pelos corredores restaurados. É importante que eles estejam presentes em toda essa extensão de floresta no futuro e esse transporte dos animais para outras áreas onde eles foram localmente extintos acelera e facilita esse processo de reocupação. Na verdade, estamos fazendo por eles o que acontecia naturalmente no passado, quando a mata era toda conectada. Com a fragmentação, populações pequenas estão muito suscetíveis à extinção e temos que evitar que isso aconteça”, revela Gabriela. Isso é parte de um plano para evitar a reprodução entre indivíduos muito próximos, conhecida também como consanguinidade genética.
Essa mudança de casa, para alguns micos, tem como objetivo também contribuir para que eles encontrem, nessas novas áreas, maior oferta de recursos, como mais alimento, por exemplo, ou uma estrutura de floresta adequada, com copas de árvores conectadas e que representem menos desafios à movimentação desses primatas – afinal, a vida do mico-leão-preto acontece lá na copa das árvores, na parte alta da floresta.
Nesse cenário, quando os pesquisadores tiverem os dados do GPS e do acelerômetro, vão conseguir avaliar, por exemplo, se os micos estão gastando menos energia na movimentação em florestas de mais qualidade, o que é ótimo para a conservação, explica a cientista. “A expectativa é a de que, nas áreas reflorestadas, esse gasto energético mude ao longo do tempo, à medida que a floresta se desenvolva. Esse inclusive é um dos principais focos da minha pesquisa de doutorado pela Unesp Rio Claro, avaliar se o gasto energético do mico-leão-preto varia de acordo com os desafios que a floresta impõe”.
Segundo Gabriela, conhecer o que representa obstáculo para os micos é essencial, já que, se eles gastam muita energia em uma ação, terão que poupar energia em outra, comprometendo inclusive funções vitais. “Se em algumas áreas dessas florestas identificarmos – a partir dos dados – que o gasto energético é maior, significa que ele está tirando essa energia de outra atividade; energia que ele poderia ter investido, por exemplo, para se reproduzir. E isso pode interferir, de fato, na conservação da espécie no longo prazo. Uma vez que identificamos esses lugares na floresta onde há aumento do gasto energético e avaliamos a estrutura dessa floresta, seremos capazes de planejar os próximos plantios de árvores pensando na floresta ideal para a sobrevivência da espécie no longo prazo”.
No Pontal, o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) já plantou 2,4 milhões de árvores nativas da mata atlântica de interior, conectando duas unidades de conservação da região, o Parque Estadual Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico-leão-preto. Somando este corredor de árvores (com mais de 12 km de extensão), o corredor norte - que está em fase de restauração - e os fragmentos florestais restaurados ao redor, o IPÊ já plantou 2,8 milhões de árvores no Pontal do Paranapanema.
A equipe do IPÊ monitora esse grande corredor de floresta e os fragmentos, por meio de armadilhas fotográficas (cameras trap) – que são aquelas câmeras acionadas automaticamente pelo movimento, instaladas na natureza para registrar quais animais utilizam essas áreas. As imagens feitas por essas câmeras já registraram a presença de tamanduá-bandeira, onça-parda, anta, jaguatirica, entre outros bichos passando pelas áreas restauradas.
A ideia é promover a ocupação de toda essa floresta também pelos micos. O mico-leão-preto é um importante dispersor de sementes e sua presença em todo esse território auxiliará nos processos de manutenção da floresta no futuro.
Outra técnica importante para ajudar os micos a habitarem novas áreas reflorestadas é a instalação de ocos artificiais nas copas das árvores. “Ocos artificiais são caixinhas de madeira colocadas no alto das árvores para simular os ocos naturais que esses macacos usam para se abrigar durante a noite. Em florestas novas, sabemos que esse recurso não está tão disponível. Como os micos precisam dos ocos para proteção contra predadores e adversidades climáticas [frio e chuva], a ideia é instalar essas caixas e também cameras trap para o monitoramento do uso delas por animais que vivem no dossel da floresta. Assim, também aumenta a probabilidade dos micos e de outros animais que vivem nas árvores usarem essas áreas restauradas”, conclui Gabriela.
Foto: Leonardo Silva
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