Nascido e criado em Presidente Prudente, o médico especialista em otorrinolaringologia, Henrique Liberato Salvador, tem 70 anos e, durante este tempo, ficou conhecido por inúmeros feitos, seja na saúde local ou na contribuição social. No entanto, se pudesse resumir o maior orgulho de sua trajetória em uma única realização seria o projeto Resgate. Iniciativa que trouxe as primeiras ambulâncias em prol do atendimento domiciliar de emergência à cidade e tornou, conforme ele, as terras prudentinas pioneiras neste serviço no interior do Estado. Além disso, se orgulha ao dizer que durante sua gestão como secretário municipal da Saúde foi responsável pela criação do Plano Municipal de Saúde e do Fundo Municipal de Saúde, ações que viabilizaram a construção de “grande parte das unidades de saúde hoje existentes no munícipio”, tudo durante a gestão do então prefeito Paulo Constantino.
Membro de família homenageada pelo poder público com o bairro Humberto Salvador, que leva o nome de seu pai, o médico é o mais velho de três irmãos e, embora lamente a perda de um deles, fica feliz ao dizer que seguiu a profissão que o patriarca tanto admirava. Estudante da Escola Estadual Fernando Costa no ensino médio, hoje, o médico é conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) e divide sua agenda entre Prudente e a capital toda semana. Entretanto, afirma que, apesar de já ter conhecido inúmeros países e lugares, “não tem jeito, é em Prudente que gosta de viver”. Talvez isso seja pela tamanha gratidão com a região que “tão bem acolheu” sua família.
Consciente de que “serviu bem a sociedade” em sua profissão, atualmente Henrique dedica seus esforços ao Instituto Cezar Humberto Salvador que, há quase dois anos, leva o nome em homenagem ao irmão falecido e enaltece o slogan “Vamos caminhar! Caminhar faz bem”. O propósito é desenvolver atividades objetivando o bem-estar da população e, com isso, “espera transformar física, mental e socialmente a vida das pessoas”. Caminhada essa que, segundo afirma, está longe de chegar ao fim, pois “enquanto houver imaginação, estará inventando algo para melhorar a qualidade de vida da população prudentina”. Neste contexto, o médico “da saúde coletiva” reservou um espaço na agenda para contar a O Imparcial um pouco sobre os feitos que o marcaram nestes anos de trabalho em prol da saúde local e também sobre seus planos para o futuro.
O Imparcial: Como tudo começou? Sempre almejou se tornar médico? Como desenvolveu essa vontade de atuar na profissão?
Henrique: Não posso dizer que eu sempre sonhei com isso, acredito que tanto eu quanto meu irmão sofremos influência do meu pai. Ele admirava muito os médicos, para ele, era a melhor profissão, mais importante que político, reis, ele admirava a postura dos médicos. Eu acredito que a primeira escola que temos é dentro de casa. Obviamente que hoje não me arrependo de ter escolhido essa profissão, tanto que recentemente fui em um encontro com colegas da época da faculdade e a grande maioria deles já parou de atuar na área. Muitos me questionaram sobre continuar trabalhando mesmo com 70 anos e ainda participar do CRM (Conselho Regional de Medicina), mas não pretendo parar.
E no começo, na época de faculdade, imaginava que chegaria onde está hoje? Que teria uma trajetória como essa?
Se eu contar ninguém acredita (risos), mas eu sonhava em um dia voltar a trabalhar em Prudente, e voltei, devido ao vínculo familiar e por ser minha cidade. Sonhava em ser médico em Prudente, fui. Sonhava em ser professor de uma faculdade de Medicina, ajudei a instalar uma na cidade, fui diretor e também fiz parte da comissão que instalou o então HU (Hospital Universitário), hoje HR (Hospital Regional [Doutor Domingos Leonardo Cerávolo]). Ajudei a instalar a residência médica, a única coisa que eu nunca fiz e nem idealizei, foi utilizar desses cargos para fazer trampolim político e alcançar algum posto através da politica partidária. Na época em que eu fui secretário da Saúde, muitas pessoas questionavam: “Mas qual a sua intenção?”. Simples, eu acho que posso ajudar a cidade sem pretensões, não critico aqueles que têm pretensão não, de jeito nenhum. Mas o que eu tenho é grande amor pela minha cidade, é uma gratidão a esse lugar que foi excelente para o meu pai, minha mãe e meus irmãos. O maior patrimônio que eu tenho hoje é a amizade que eu tenho com o povo prudentino, sou conhecido em todo lugar que eu vou, sou amigo e gosto muito de receber pessoas, o que eu puder fazer por essa cidade eu continuarei fazendo.
Como mencionou, uma das experiências na história de Prudente foi a participação como diretor da faculdade de Medicina. Como isso ocorreu?
Desde a época de IE Fernando Costa, pensávamos em lutar para ter uma faculdade de Medicina em Prudente. Então, em 1962 foi criada a Faculdade de Medicina Estadual aqui na cidade, fizemos uma manifestação de agradecimento ao deputado federal da época, só que, infelizmente, não houve interesse das forças políticas na época para a instalação da instituição. Em 1964, veio a revolução dos militares, então, mais uma vez, a faculdade não saiu. Depois, quando a Unoeste (Universidade do Oeste Paulista) começou a ser estruturada, meu pai foi um dos cotistas, sempre com o sonho de ter uma faculdade de Medicina em Prudente. Ajudei a instalar a instituição e fui convidado pelo Agripino Lima (fundador da universidade) para ser o segundo diretor da faculdade, onde permaneci por oito anos. Ouso dizer que formar médicos foi a coisa mais emocionante da minha vida. Porque você recebe no primeiro ano um jovem, inocente e contestador. Inocente porque é tudo novo, e contestador porque é próprio da idade. E durante seis anos, ele deve ser preparado para se tornar um profissional médico. Essa transformação é apaixonante. Eu graduei 1.220 médicos nesse tempo que fui diretor e no cargo de conselheiro entreguei a carteira também para eles.
No meio desse trajeto, devido a um problema na visão, o senhor teve que abrir mão de atuar em cirurgias. Como foi isso? Sente falta de realizar esse tipo de procedimento?
Bom, tive um problema, precisei realizar transplante de córnea e sabia que não tinha mais visão para cirurgias de orifícios e microcirurgias, então tive que abandonar. Por coincidência, nesse período, fui convidado pelo Paulo Constantino para ser secretário de Saúde em 1989, e depois o Agripino (então prefeito) me convidou para continuar até começar na faculdade. Uma vez eu estava entrando na Prefeitura e uma paciente me encontrou e disse: “Doutor Henrique, por que o senhor não volta a atender? Volta, o senhor está bem, está andando”, na época eu estava acompanhado de uma amiga que falou: “Não, ele agora deixou de cuidar da saúde individual para cuidar da coletiva”. Então, vi que era isso mesmo. Impedido fisicamente de atender o paciente um por um, eu parti para uma fase mais administrativa, cuidando da atenção básica de Prudente. É claro que sinto falto do tête-à-tête, eu tinha uma clínica maravilhosa, mas agora, na saúde coletiva, fui útil assim como na individual. As pessoas falam: “Ah, vai para Europa” e eu falo: “Não, quando vou, com 10 dias eu quero voltar para Prudente, não tem jeito” (risos).
Quais os planos para este ano? Atualmente desenvolve atividades com o Instituto Cezar Humberto Salvador, como funciona?
O instituto tem o mesmo nome do meu falecido irmão. Agora estamos em fase final de obras das sedes, uma rural e outra na cidade. A finalidade do instituto é despertar o bem viver nas pessoas. Por quê? Em Prudente, a grande causa de mortes é complicações de doenças crônicas, cardiovasculares, diabetes, hipertensão, com isso, começamos a levantar uma das coisas do mundo moderno, que é o erro no comportamento, não só físico como mental e social. Físico: a vida moderna hoje te coloca sempre atrás de um computador, muito conforto, ar-condicionado, poltronas, tudo para você ficar parado, isso te afasta da sociedade, dos amigos e vai te isolando, dando como consequência um dos grandes problemas do século 21, que é a depressão. Então, após termos consciência disso, pensamos: “Como vamos fazer para evitar?” Vamos fazer um programa informativo? Não, isso já tem na própria televisão, todo dia falam algo de saúde, todos os canais têm. Então, decidimos fazer com que a população mude seu comportamento em relação à saúde. E o mais barato, fácil e prático jeito de fazer isso é estimular todo mundo a sair desse conforto do lar e ir caminhar. Primeiro que é de graça, nossa cidade é muito bonita. Segundo é que ao sair para caminhar, a pessoa começa a fazer uma higiene mental, vendo a beleza das plantas, das paisagens, cumprimentando os demais, a tirando do ostracismo do comodismo. Com quase 2 anos de campanha eu já tenho dados parciais de que a mudança em Prudente e região já aconteceu e temos muito ainda a fazer. Então, te digo. Perguntaram um dia para o Walt Disney quando que ele ia terminar os parques da Disney. Ele falou: “Enquanto houver imaginação, estarei sempre construindo”. E eu respondo para você: “Enquanto houver imaginação, enquanto eu estiver pensando, vou inventar alguma coisa para o bem-estar de Prudente e da sociedade”.
Fora isso, existem outras metas? Quanto ao meio acadêmico, algum plano?
Temos planos de levar a ação de saúde junto aos professores da rede pública para fazer de cada escola um agente de saúde, com coisas básicas, mas reciclar os professores para que levem mais informação atualizada para as crianças. Desta forma, as crianças podem levar isso para casa. Falar dos malefícios do tabagismo, por exemplo, ou da bebida alcoólica, comida gordurosa. Se a criança chega em casa e vê a mãe fumando, ela vai falar: “Mãe, eu aprendi na escola que cigarro não faz bem, pode ter bronquite, doenças do pulmão”. A própria criança começa a divulgar. Agora no verão, com as chuvas que virão, também estamos com uma grande preocupação com a dengue. Eu ouço falar dessa doença há 30 anos e nós ainda não nos acostumamos a cuidar intensamente e destruir os focos do mosquito, logo, deveremos, nos próximos dias, junto com poder público, fazer uma campanha em relação à dengue. Ademais, tenho estimulado os acadêmicos de Medicina à pesquisa científica e tenho prestigiado os alunos em trabalhos científicos.
Qual a mensagem que pretende passar para a sociedade com os trabalhos do instituto e, principalmente, qual a razão pela dedicação neste trabalho?
A Sociedade de Medicina promove caminhadas há 10 anos, assim como a Liga de Cardiologia, entre outros. Muitos participam destes eventos, mas é o mesmo que jogar confete: ele sobe, depois desce. O que eu pretendo com o instituto? Jogar esse confete e ele permanecer no ar, ou seja, que a vontade de fazer caminhada permaneça, lembrar a população da importância da atividade física. Isso se faz através da repetição espaçada, pois só de falar uma palavra de uma determinada marca você já lembra, por quê? Porque as empresas usaram a marca repetidamente, durante vários anos. Então, me sinto feliz quando vou à feira, supermercado ou posto de gasolina e alguém me encontra e fala: “Vamos caminhar! Caminhar faz bem!”. Isso já pegou em Prudente e região. E eu não vou parar, vamos tirar a pessoa do conforto do lar para fazer exercícios. Isso traz prazer, a gente ouvia o professor falar durante a faculdade que não existia nenhum pagamento maior que um olhar de gratidão, então, não preciso ser o prefeito de Prudente para ter a gratidão do povo, cada um no seu segmento. Eu escolhi minha área, cada um pode devolver algo para a cidade e eu vejo isso quando algum empresário investe na ampliação de um hospital, entidades como Maçonaria, Rotary, Lions, tudo isso, essa somatória que faz uma cidade. Então, eu peguei minha área, me dedico, não à saúde curativa, quem estiver doente vai ter os hospitais de Prudente, serviços maravilhosos. Eu vou trabalhar na prevenção das doenças, evitá-las. É isso que me move. Temos que ter um objetivo. A vida me ensinou aos 70 anos de idade que você, ao acordar, tem que ter felicidade e saber que você vai fazer algo bom, que terá um propósito.
Como avalia a evolução da medicina em todos esses anos no Brasil?
Na verdade, eu acompanhei a medicina em várias fases. Quando me formei havia três categorias de atendimento: ao indigente, que era a pessoa que não tinha nada e era atendido no hospital com esse termo mesmo; àqueles que tinham algum plano de saúde, por meio da profissão – hoje chamado de SUS (Sistema Único de Saúde) -; e o particular para quem podia pagar. Agora houve uma série de mudanças. Mas, no geral, o que está na Constituição há 30 anos ainda não está sendo cumprido pelo SUS. Mesmo dizendo que é um direito do cidadão, não existe verba suficiente para atender todo mundo. Vemos os dramas dos antigos indigentes, hoje todos pagantes, porque a verba da saúde vem de todos os impostos, até da loteria, mas mesmo todo esse bolo é insuficiente para custear uma saúde estatal eficiente. Por isso, existe a saúde suplementar, como planos de saúde. Você paga imposto, tem direito ao SUS e paga uma nova carga tributária do seu plano de saúde para garantir aquilo que o público deveria te dar, mas, infelizmente, não está dando. Eu ainda espero, em vida, ver isso resolvido, e o que eu puder, no cargo que eu exerço hoje e com a experiência que eu tenho, contribuir para isso, eu vou. Mas estamos longe do que foi planejado há 30 anos.
Fazendo um paralelo com outros países, qual a conclusão?
Quando criança, via pessoas que falavam: “Ah, criança é mal-educada”. Eu achava que mal-educado era aquele que não sabia se comportar na mesa, pegava o talher diferente, bebia e comia batendo a boca. Mas, com o tempo, fui entendendo o que é educação. É o conhecimento geral. E quando se fala em melhorar a educação, um dos itens é educar o povo para cobrar seus direitos, não silenciar e não fazer com que a política partidária o impeça de enxergar que corrupção é terrível e tão destrutiva para uma nação. Recentemente, vemos que na Coreia tem, Japão tem, Estados Unidos também, mas, aqui no Brasil, infelizmente, não temos. Então, temos que lutar para que isso diminua. Acabar? Duvido, mas que pelo menos diminua e que isso seja revertido à educação, pois melhorando a educação, melhora até a saúde. Não adianta se espelhar, pois o Brasil é muito grande, nosso povo é heterogêneo. O nordeste tem um jeito, o sul outro. Em países da Europa é diferente, eles são homogêneos. Temos que compreender cada povo, cada necessidade.