Juventudes

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 16/07/2023
Horário 04:30

Fiquei ligado nos últimos dias às notícias dos protestos de jovens negros contra a discriminação e violência racista nas periferias de Paris, o que resultou na morte de um adolescente negro. Você não morreu em vão, Nahel! Eles tentam justificar a perda da sua vida pela falta de controle na imigração, mas esquecem que você faz parte da maioria dos jovens negros nascidos na França, a chamada “terceira geração”. Esquecem que o multiculturalismo se tornou parte da vida cotidiana e que há em curso um processo irreversível de autorreconhecimento e de afirmação de uma sociedade multicultural e multiétnica. “A vida pulsa”.
De olho em jovens como você, li uma matéria ainda ontem sobre a “geração nem-nem”, que já soma 11 milhões de jovens brasileiros que não estudam nem trabalham. Dentre eles, a diferença de gênero é expressiva. Segundo dados do Ministério do Trabalho, cerca de 60% desse grupo são mulheres entre 14 e 24 anos com filhos pequenos. Pelo menos 68% são pretos e pardos. O que haveria em comum entre situações de vida de lugares tão distantes e distintos?
Sei que agora, um momento marcado pela intolerância e o ingresso muito precoce dos jovens em um mercado cada vez mais precário, o ensino superior não é uma prioridade vital para as juventudes periféricas. Elas construíram outros espaços de aprendizado. Estão aí os movimentos culturais da cultura hip-hop, a nova geração de quadrinistas (que maravilha o “Indivisível” de Marília Marz! E o “Raul” de Alexandre De Maio, então?), as inúmeras agências de jornalismo das periferias (como o Mural, agênciamural.org.br) e da temática racial (como a Alma Preta, almapreta.com.br) para não me deixar mentir. E o que dizer da cultura nerd, geek e pop das favelas paulistanas organizada pela Convenção da Perifacon que já está em sua terceira edição? Ocupação dos becos e das ruas, pichações, grafites, juventude negra periférica... A política de cotas nas universidades é uma porta importante para a entrada desses movimentos no meio acadêmico.
Pois é, Nahel... a atmosfera é aparentemente sombria e caótica, mas pulsa nas veias a diversão e a arte. A busca não é só do acesso ao conhecimento, mas também do acolhimento e da ampliação das trocas sociais além dos circuitos familiares. Seria a emergência de um novo mundo a partir das periferias, com mais igualdade e menos injustiça entre os povos, conforme sonhou o geógrafo Milton Santos? Só não vê quem não quer. Afinal, a juventude existe na contraposição e relação com outras gerações. “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?” Juventude, juventudes.

Publicidade

Veja também