Quando chego de viagem no final da tarde, a primeira coisa que eu faço é tirar os sapatos e sentar lá no fundo do quintal. Não preciso de muito tempo para reencontrar aquele compromisso último com a vida.
Outro dia, sem pedir licença e nenhuma cerimônia, pousou na minha perna uma joaninha vermelho cintilante esmalte. Pensei comigo: o que aquele simpático inseto pertencente à ordem Coleóptera estava fazendo no meu quintal? Eu sei que as joaninhas se alimentam de pequenos insetos e ácaros, mas também de pólen e néctar. Bem que ela poderia me ajudar a combater aqueles pulgões tão frequentes nas forrageiras debaixo das árvores. Quem sabe na polinização das flores do pé de limão? Sim, assim como as abelhas e seus primos besouros, elas voam de flor em flor, carregando em suas patas o pólen responsável pela reprodução das plantas!
Daí em diante a minha imaginação foi longe. Fiquei tentando dimensionar as mais de 300 mil espécies de besouros existentes no planeta, com suas mandíbulas trituradoras de alimentos. Aqueles besouros carnívoros, que se alimentam de outros insetos, evitando a superpopulação de determinado grupo. Aqueles que se alimentam apenas de vegetais e são capazes de devorar em pouco tempo a folhagem de diversas plantas, acelerando o processo de decomposição da matéria orgânica. E das interações entre joaninhas e besouros vorazes, cheguei ao Jardim de Darwin.
Dizem que depois de voltar de sua famosa viagem pelo mundo, a bordo do navio HMS Beagle, o jovem e curioso pesquisador britânico se tornou proprietário de “Down House”, uma casa cercada de um imenso jardim num vilarejo nos arredores de Londres. Por mais de 20 anos, Charles Darwin transformou o jardim da sua casa numa espécie de laboratório particular. Foi no seu pomar e na estufa que Darwin realizou experimentos de polinização com orquídeas e prímulas. Ao fundo do pomar, ele construiu um pombal onde realizou cruzamentos e analisou características de diferentes gerações de pombos. Imagino ele caminhando pela trilha de areia observando a competição das plantas pela sobrevivência. Até mesmo aqueles mal cheirosos cogumelos que costumavam brotar no bosque em outono e atrair moscas com seus misteriosos percursos, sem um padrão aparente como dos voos das abelhas.
Subitamente aquela tranquilidade do fundo do meu quintal foi rompida por um grunhido agressivo de um bem-te-vi, que já devia estar na espreita com os olhos fixos naquela joaninha pousada na minha perna. Seria uma presa fácil se eu não estivesse ali? Seria o prenúncio de que a natureza tomará de volta o jardim? É no “Jardim de Darwin”, de Michael Boulter, que encontrei a resposta: “O jardim sempre voltará para a selva, os esforços do jardineiro para controlar suas forças são temporários e superficiais”.