“Há uma naturalização da  exploração do trabalho infantil”, considera juiz Mouzart Brenes

Coordenador do JEIA de Prudente falou sobre o cenário e o enfrentamento ao trabalho infantil na maior cidade do oeste paulista; entre 2022 e 2024, município somou 83 denúncias

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 12/06/2024
Horário 04:44
Foto: Reprodução/Facebook
Mouzart Luís Silva Brenes, juiz do Trabalho e coordenador do Jeia de Prudente
Mouzart Luís Silva Brenes, juiz do Trabalho e coordenador do Jeia de Prudente

Em alusão ao Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, lembrado nesta quarta-feira, 12 de junho, a reportagem de O Imparcial colheu as perspectivas do coordenador do Jeia (Juizado Especial da Infância e Adolescência de Presidente Prudente), o juiz do Trabalho, Mouzart Luis Silva Brenes, a respeito do cenário e do enfrentamento ao trabalho infantil na maior cidade do oeste paulista

Recentemente, o MPT (Ministério Público do Trabalho) publicou as estatísticas das denúncias, também conhecidas como “notícias de fato”, sobre os casos de trabalho proibido para crianças e adolescentes no interior de São Paulo entre 2022 e 2024. Neste período, Presidente Prudente somou 83 registros de denúncia. 

Mouzart traz um detalhamento dos casos e indica que há uma subnotificação de casos neste cenário: “Foram 36 denúncias em 2022, o que gerou a propositura de uma ação civil pública e a assinatura de 27 TACs [termos de ajustamento de conduta]. Em 2023, foram 34 notícias de fato autuadas, resultando em cinco ações civis públicas e 20 TACs. Neste ano, já são 13 notícias de fato autuadas e com 11 termos de ajustamento de condutada assinados. Porém, a gente sabe que estes números são subnotificados, porque nem toda situação de trabalho infantil chega ao conhecimento das autoridades que geram registro”, relata o juiz. 

Diante das estatísticas, Mouzart Luís Silva Brennes pontua que o cenário de enfrentamento ao trabalho infantil é complexo e difícil, pois é um fenômeno que envolve questões sociais, econômicas e até culturais. “Daí a dificuldade de se combater essa chaga social e eliminá-la da nossa sociedade. O trabalho infantil é encarado de uma forma que a sociedade não o enxerga, ele é invisível. Há uma naturalização da exploração do trabalho infantil em razão de mitos como ‘é melhor estar trabalhando do que roubando’, quando, na verdade, é melhor a criança estar na escola do que estar trabalhando. Até porque o trabalho infantil é uma das principais causas de evasão escolar”, avalia. 

Atuação do Jeia em Prudente

Mozart Brennes explica que o Jeia (Juizado Especial da Infância e Adolescência), órgão criado pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 15ª Região, atua como uma Vara especializada para julgar as demandas relacionadas a situações que envolvem trabalho entre crianças e adolescentes de até 17 anos. “Todo processo que envolve trabalho de criança e adolescente na região de Prudente é encaminhado ao Jeia. Nós temos frequentemente casos que são julgados envolvendo trabalho infantil, que é toda aquela situação de trabalho irregular antes dos 18 anos”.

De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), as piores formas de trabalho infantil são todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como:

•    Venda e tráfico de crianças,
•    Sujeição por dívida,
•    Servidão,
•    Trabalho forçado ou compulsório (inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados).

Em Prudente e região, Mouzart Brennes relata que o cenário é permeado por “fases” de casos típicos de trabalho infantil. “Por exemplo, nós tivemos uma época que havia muita contratação de adolescentes como estagiários de forma irregular. Tivemos uma outra época em que a predominância era o trabalho em feiras livres. Porém, realizamos um trabalho em relação a isso, inclusive, há um termo de ajustamento de conduta firmado pelo município de Presidente Prudente, Ministério Público e feirantes para não contratar trabalho infantil. Então, este problema foi resolvido, mas houve uma época que isso era predominante”, pontua Mouzart ao ainda listar que casos de trabalho infantil também são verificados em pequenas oficinas mecânicas, borracharias, bares e restaurantes e em situações de trabalho no mundo rural. 

Políticas públicas

O coordenador do Jeia realça que dada a complexidade social que envolve o trabalho infantil é difícil associar apenas uma política pública como forma de enfrentamento à questão. “O combate ao trabalho infantil deve ser feito de forma intersetorial, tem que ser em conjunto envolvendo diversos setores como o MPT, o Judiciário, o Ministério do Trabalho e Emprego, o município com as Secretarias de Assistência Social e Educação”, pontua Mouzart Luís Silva Brenes, que cita programas de transferência de renda –Bolsa Família e o Bolsa Escola – como meios para possibilitar família e criança à inserção econômica e social. 

“Agora partindo para a área jurídica, a principal política pública que a gente tem é o contrato de aprendizagem, que é permitido a partir dos 14 até aos 24 anos. Esse adolescente deve estar matriculado na escola, cursando um curso técnico ou profissionalizante. Ele alia teoria e prática. Então, é uma forma de inserir este jovem no mercado de trabalho de uma forma segura, legalizada e sem que o jovem deixe de frequentar a escola”, realça o juiz do Trabalho. 

Para ele, as políticas de combate ao trabalho infantil devem ser tratadas como política de Estado e não de governo. “Ou seja, independente do partido A, B ou C que esteja no governo, a política deve ser contínua e permanente, senão há um retrocesso nesse combate ao trabalho infantil e a situação na melhora, porque essa é uma luta constante e de longo prazo”. 

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