Édima Mattos: história de luta

Professora desde os 16 anos de idade e militante da causa negra desde os anos 1990, sua história de vida é exemplo de que as pessoas podem alcançar os seus sonhos

PRUDENTE - HOMERO FERREIRA

Data 16/02/2020
Horário 08:31
Weverson Nascimento - Édima de Souza Mattos está entre a minoria de negros doutores no Brasil
Weverson Nascimento - Édima de Souza Mattos está entre a minoria de negros doutores no Brasil

Mesmo depois de seus três filhos adultos e formados, já sem idade para parir, a personagem desta reportagem de O Imparcial afirma ter passado pela dor do parto mais duas vezes. A primeira, quando fez a defesa pública de sua tese no doutorado em Letras, em 2011 na Unesp (Universidade Estadual Paulista) “Júlio Mesquita Filho”, no campus de Assis. Depois, ao ingressar no pós-doutorado em uma das mais importantes instituições de ensino superior do país: a USP (Universidade de São Paulo).

Ostentar o título de doutor tem o valor social de atingir o mais alto degrau na formação acadêmica. Mas, para o negro e sua descendência esse é um patamar ainda mais elevado, pelo percurso mais difícil, por razões históricas, culturais e socioeconômicas. Embora a maior parte da população brasileira seja afrodescendente (55,8%); apenas 16% dos 400 mil professores de universidades são dessa etnia. A professora Dra. Édima de Souza Mattos faz parte desse grupo minoritário.

Mas esse menos é mais, por se tratar de alguém que tem lutado pela valorização do negro, com destacada militância no cenário estadual desde 1988, ano do centenário da abolição da escravidão no Brasil. Uma luta de quem acredita na construção de um mundo melhor, cuja atuação está na educação: aposentada na rede estadual de ensino, ativa na rede particular, com mais de 30 anos de Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Entre vitimizar e ir à luta, sua postura tem sido pela segunda opção.

JORNADA DE VIDA

FOCADA NA EDUÇÃO

Sua jornada é toda sustentada na educação. Uma de suas fontes de inspiração vem de um dos principais líderes da luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos, Martin Luther King Jr (1929-1968), que dizia que “não somos o que gostaríamos de ser; nem somos o que deveríamos ser; mas graças a Deus não somos o que fomos”. No segmento da educação surgiu seu engajamento na militância, nos anos 1990 em Prudente. Visitou escolas para estimular os afrodescendentes a não desistirem dos estudos, num período em que o índice de evasão chegou 68%.

Também é na educação que tem contribuído na formação de milhares de profissionais com atuação no Brasil e pelo mundo afora, atuando em diferentes cursos. Daí o tão almejado desejo em buscar a titulação de doutora. E não foi fácil. Na questão financeira, não pode pleitear bolsa, por lecionar em instituição particular. Na questão do ingresso, embora tivesse feito dois semestres como aluna especial, com excelente aproveitamento, e passado nas provas para ingressar como regular, era reprovada nas entrevistas. Habituada à luta, não desistiu.

Ao ingressar oficialmente no doutorado, foram quatro anos de estudos madrugada à dentro, dormindo em média 4h por noite. Muitas vezes, entre estudar e se alimentar, ficava com a primeira opção, não exatamente por escolha, mas por necessidade. Quando tinha aula, deixava Assis às 17h30 para entrar na Unoeste às 19h. Na defesa da tese sobre a literatura e jornalismo de Eça de Queirós, um dos mais importantes escritores portugueses de todos os tempos, foi o dia que passou pelas dores emocionais como se fossem as do parto, mas compensadas pela alegria da conquista do título de doutora.

Outro importante momento de realização pessoal e profissional foi vencer as dificuldades para fazer o pós-doutorado em São Paulo, devido às viagens e ao estudo para analisar o olhar europeu sobre o Brasil no final do século 19, em textos de Eça de Queirós na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Sentiu novamente a dor do parto, mas viveu também a alegria de obter reconhecimento, no qual incluiu o convite para ministrar oficina em Portugal, no “Colóquio Internacional de Thormes/Eça e o romance oitocentista: transformações cinematográficas e televisivas”, em junho de 2016.

PELA SAÚDE DE

VULNERÁVEIS

Atualmente, Édima atua nos cursos de Medicina, Letras e Informática. Já atuou no curso de Comunicação Social. Na Famepp (Faculdade de Medicina de Presidente Prudente) é responsável pelo Nats (Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde). Sua linha de pesquisa tem enfoque na saúde de vulneráveis e da população negra. Coordenou a pesquisa sobre lacunas de conhecimento de profissionais da saúde sobre a doença falciforme, junto com clínicos e estudantes, resultando na implantação de projeto-piloto para servir como modelo no Estado e no Brasil.

Também coordena pesquisas voltadas às presidiárias da Penitenciária Fermina de Tupi Paulista, sobre DSS (Determinantes Sociais e Saúde) em relação à saúde mental e sífilis, trabalhando com a hipótese da comprovação de prevalência dessas patologias, para então fornecer à Secretaria e Administração Penitenciária do Estado de São Paulo o mapa de sífilis e saúde mental das detentas e as recomendações de protocolos para enfrentamento dessas patologias. Na área de extensão desenvolve projetos voltados à ação cidadã de resgate do ser humano e projetos voltados à saúde de vulneráveis.

Um dos projetos é o que trabalha com informática e cidadania para promover sinergia de inclusão social; premiado pelo Enepe 2017 (Encontro Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão). O projeto é levado em locais de acolhimentos de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Outro projeto é o da linha de cuidados para pessoas com doença falciforme na abrangência do DRS-11 (Departamento Regional da Saúde), em parceria com as secretarias estaduais da Saúde e da Justiça e Cidadania. Centrada na capacitação, a proposta é implantar uma linha de cuidado multiprofissional para as pessoas diagnosticadas com a doença e, em especial, a anemia falciforme.

Baiana de Arapiranga, Édima nasceu em 8 de setembro de 1949. Época de exploração de ouro na cidade a 400 km de Salvador. Seu pai era o minerador João Francisco de Souza e sua mãe a dona de casa Adozinha Amélia de Oliveira Souza. Édima foi a primogênita de três filhos, sendo seus dois irmãos já falecidos. A origem do nome de sua mãe foi de poema de Fernando Pessoa, extraído por seu avô, responsável em cultivar na família o hábito da leitura. Seus pais trocaram de interior: o baiano pelo paulista, atraídos pelo trabalho em lavouras de algodão.

Édima tinha dois anos quando sua família mudou-se para Ribeirão dos Índios e depois de três anos foi para Presidente Bernardes, onde estudou até o terceiro ano primário. Em 1959, quando tinha 10 anos, o destino foi Prudente: há 60 anos. Os estudos continuaram na Escola Estadual “Professor Adolpho Arruda Mello” e no Instituto Educação “Fernando Costa”, onde fez o normal e ao mesmo tempo estudava no Centro de Cultural Brasil-Estados Unidos. Aos 16 anos lecionava inglês na Escola de Comércio “Joaquim Murtinho”.

Sua primeira formação em nível superior foi na Faculdade de Letras, em Adamantina. Depois fez Pedagogia na Unoeste. Antes do mestrado e do doutorado fez várias especializações. Em 1970, casou-se com o contador bancário Eli Dolce Justo de Mattos. Tiveram três filhos e todos ingressaram no ensino superior aos 17 anos. Eduardo é engenheiro químico, casado com Lency, pais de Francisco; Elizangela é engenheira de alimentos; e Elaine é tabeliã, casada com Yuri, pais de Maria Helena.

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