Os espaços públicos são muito mais do que áreas de lazer ou circulação. Eles são territórios de encontro, trocas e construção coletiva. Em Presidente Prudente, o Parque do Povo se apresenta como um desses espaços, onde se encontram diferentes dinâmicas urbanas: jovens skatistas, idosos em caminhada, famílias, comerciantes, artistas, etc. Essa pluralidade reflete um dos grandes desafios contemporâneos: como democratizar o espaço urbano em meio às desigualdades socioespaciais e aos desafios ambientais?
Essa questão é central para o projeto “Democratizando a cidade: diálogos e participação comunitária”, que busca fomentar a conscientização e o debate sobre a mobilidade, habitação, lazer, trabalho, consumo e crise climática. O projeto parte da premissa de que a cidade não é neutra - ela é vívida de formas distintas para diferentes grupos sociais. Para alguns, as mudanças diárias são simples e rápidas; para outros, um verdadeiro obstáculo à participação na vida urbana. Como destacam Novack, Catelan e Sposito (2024), os estudos sobre mobilidade mostram que as condições de deslocamento impactam diretamente a qualidade de vida, afetando desde o acesso ao trabalho até a utilização de espaços culturais e de lazer.
O Parque do Povo como palco das atividades do projeto não é convocado. Ele representa um dos poucos territórios onde diversas realidades urbanas se encontram. Há também um diálogo entre práticas esportivas, comércio local, lazer e manifestações culturais. Contudo, essa diversidade não significa inclusão automática. A pergunta que fica é: a cidade é realmente acessível a todos?
A cultura desempenha um papel importante nesse debate. Um evento cultural realizado apenas em áreas centrais, sem considerar a mobilidade e a acessibilidade, reforça as barreiras existentes. Por outro lado, iniciativas que descentralizam a cultura, promovem o protagonismo comunitário e ocupam o espaço público de maneira inclusiva voltada para a democratização da cidade.
Cultura e mobilidade: o direito de ir e vir para além do transporte
A mobilidade urbana é mais do que a mobilidade física – é a possibilidade de participação, de descolamento e de tempo de vida. Daitx e Novack (2024) destacam que uma garantia de moradia não assegura automaticamente a inclusão de uma vida plena na cidade. Além disso, há diferenças no modo como a mobilidade se dá para negros e brancos, mesmo quando possuem a mesma condição socioeconômica. Estereótipos raciais afetam diretamente a experiência do deslocamento, tornando corpos negros alvos preferenciais de abordagens policiais, assédio e restrição de circulação em determinadas áreas da cidade (Albergaria 2024). Esses mecanismos reforçam um ciclo de exclusão e controle da população negra nos espaços urbanos, dificultando sua plena participação na vida social e econômica.
Outro ponto desse debate é o urbanismo climático. Estudos demonstram que a urbanização acelerada, associada à falta de infraestrutura adequada, agrava a vulnerabilidade dos territórios urbanos aos impactos climáticos extremos (Arruda Filho; Jacobi, 2024). Para enfrentar esses desafios, é necessário que as políticas públicas integrem soluções de resiliência urbana, como o incentivo ao transporte ativo (caminhadas e bicicletas), a ampliação de espaços verdes e a drenagem eficiente.
O Parque do Povo, por exemplo, abriga um rio e, diante da crise climática, precisa de soluções que minimizem seus impactos, como sistemas de drenagem sustentáveis e infraestrutura verde para mitigar enchentes e ilhas de calor.
Esses mecanismos são essenciais para tornar os espaços públicos mais preparados para eventos climáticos extremos e garantir um ambiente urbano mais equitativo e acessível para todas as pessoas.
Afinal, uma cidade democrática não é aquela que apenas oferece espaços, mas aquela que garante que todos possam ocupá-los, ressignificá-los e transformá-los.
Referências sugeridas
ARRUDA FILHO, Marcos Tavares de; JACOBI, Pedro Roberto. A urgência de um urbanismo climático no Brasil. GV Executivo, v. 23, n. 3, 2024.
ALBERGARIA, Rafaela. Mobilidade dos corpos racializados: entre liberdade e interdição. In: ALBERGARIA, Rafaela; SANTINI, Daniel; SANTARÉM, Paíque Duques (orgs.). Mobilidade Antirracista. São Paulo: Autonomia Literária, Fundação Rosa Luxemburgo, 2024. p. 38-55.
DAITX, Maíra Cristo; NOVACK, Paula Neumann. Do direito à moradia ao direito à cidade: A complexa realidade cotidiana das moradoras do conjunto habitacional Jardim do Éden em Marabá (PA). Thésis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 18, e 507, out 2024. Acesso em: 12 fev. 2025.
NOVACK, Paula Neumann; CATELAN, Marcio José Veríssimo; SPOSITO, Eliseu Savério. PERCURSOS CASA-TRABALHO-CASA: COMPREENDENDO A MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE NAS ÁREAS PERIFÉRICAS DE SÃO PAULO E DOURADOS. Revista Geotemas, Pau dos Ferros, v. 14, n. 1, p. e02421, 2024. DOI: 10.33237/2236-255X.2024.6103.Disponívelem:https://periodicos.apps.uern.br/index.php/GEOTemas/article/view/6103. Acesso em: 12 fev. 2025.