Como vocês já sabem, sou um velho professor de geografia. Estudar os mais importantes conflitos mundiais faz parte do meu ofício. Já escrevi capítulos de livros didáticos sobre o conflito árabe-israelense. Mas eu não me sinto no direito de escrever uma crônica da guerra. Nunca estive numa guerra. Por mais que me esforce para compreender o horror do Holocausto, não posso sentir tamanha dor que carregam os sobreviventes dos campos de concentração. Mas também a brutal violência cometida todos os dias contra os palestinos. Pensando na minha incompetência, reli um clássico nesta matéria: Crônicas da Guerra na Itália, escrita por um dos maiores cronistas brasileiros, Rubem Braga. A obra reúne crônicas de Rubem Braga para o Diário Carioca durante a Segunda Guerra Mundial. Imperdível!
Bem, para complicar a situação nos dias atuais, o acesso às informações tornou-se muito mais difícil no mundo das bolhas virtuais e de outra guerra permanente, aquela que realmente afeta qualquer um de nós diretamente: a guerra das narrativas, permeada de bombardeios de “fake news” e disputas ideológicas das mais mesquinhas. Parece até que a Guerra da Ucrânia não existe mais, não é mesmo? Ou que os 200 israelenses sequestrados fossem nossos parentes próximos, a quem derramamos nossas lágrimas, tornando justificável o massacre brutal das forças militares de Israel na Faixa de Gaza. Pouco importa como as crianças são usadas por Israel e Hamas. Pouco importa os problemas que as guerras sempre trouxeram e ainda trazem para as crianças: a perda do lar, de familiares, a necessidade de viver em campos de refugiados, a má alimentação e outras formas de violência.
Infelizmente, a Guerra Israel-Hamas já é a mais mortal dos últimos 30 anos. Para os enviados das agências de notícia também. Segundo a organização internacional CPJ (Comitê para a Proteção de Jornalistas), nos últimos 20 dias, foram mortos 29 profissionais da imprensa. São 24 palestinos, quatro israelenses e um libanês mortos até agora. Os serviços de telefonia e internet pararam de funcionar nesta semana. Ficou muito mais difícil encontrar notícias seguras... Opa, agora eu quase perdi o que estava escrevendo com a tempestade que caiu por aqui. Os estragos foram muitos. Árvores e postes caídos, corte de energia, casas destelhadas. Mas me senti ridículo com o medo da tempestade diante do terror da chuva de bombas que está caindo lá no outro lado do mundo. Talvez para conforto meu, termino a crônica cercado por uma chuva bem fina e permanente. Deve ser a mãe natureza tentando lavar as nossas feridas.