"Canudo de Ouro"

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 28/02/2025
Horário 06:00
O compositor Adelzonilton 
O compositor Adelzonilton 

Rio de Janeiro, cidade maravilhosa, abençoada pela natureza, vai encantando o mundo com sua beleza natural. Longe da praia, o compositor Nilo Dias lê uma notícia no jornal O Dia, que o deixa intrigado. Mostra para seu amigo, também compositor, Adelzonilton, que também fica abobado. Um padre americano vendia cocaína na sua sagrada igreja e foi preso. A alma e a malandragem carioca não iria deixar essa parada passar em branco. Os dois compositores fazem um partido alto em cima desse absurdo. 
Com uma criatividade sem igual escrevem uma letra recheada de uma crítica bem humorada. Mostram para o partideiro Bezerra da Silva, que adora e aprova, pois encaixa no seu estilo musical. Bezerra da Silva foi mestre em compor sambas retratando o cotidiano do mundo esquecido. Bezerra vai a São Paulo com esse samba no seu repertório. O emérito bispo de São Paulo sabendo desse samba considera uma heresia e fica possesso. Pede para Bezerra da Silva não cantar esse samba que denigre a imagem da Igreja Católica. 
Bezerra da Silva nessa época era umbandista e fazia o papel de um Cambone. Frequentava o terreiro do Preto Véio em Belfort Roxo. Como bom malandro diz ao bispo que ele era apenas o cantor e que não tinha feito a letra e nem a música. Saiu na categoria. O bispo quer saber quem são os compositores dessa blasfêmia. Adelzonilton e Nilo são convidados para irem a São Paulo falar com o emérito bispo. 
Foram de ônibus com toda despesa paga. Ficaram impressionados quando entraram na bela casa onde morava o santo bispo. E já foram logo sendo intimados: os senhores sabem o porquê estão aqui? Não sabemos não senhor. Os senhores fizeram um samba imoral que ataca o Vaticano. Adelzonilton e Nilo assustados com essa repreensão se sentiram diante da Santa Inquisição. Será que vamos ser queimados em praça pública? Calma cumpadi, não estamos na Idade Média.  Tentaram se explicar que viram essa notícia no jornal O Dia, mas não foram ouvidos e o emérito bispo insistiu: Vocês não podem mais cantar esse samba vergonhoso, imoral e blábláblá. 
Saíram de lá como se fossem dois criminosos. A liberdade de expressão foi atacada justamente por um representante de Deus na Terra.  Chegaram ao Rio de Janeiro e procuraram o Bezerra da Silva que negou veementemente que havia entregado eles: "Que isso cumpadi, vocês sabem que sou um cadeado." A censura do emérito bispo não adiantou, o samba, o “Canudo de Ouro”, já estava na boca do povo. Vamos nessa que quem é do mar não enjoa:

"Embecado numa rica batina na porta da igreja o vigário ficava
Rezando bem alto a missa em latim
Pra não dar na pinta o que ele transava
Todos que ali passavam se admiravam da sua oração
Mas a reza do padre só fazia milagre
Pra quem entendia aquela transação
Todos que ali passavam se admiravam da sua oração
Mas a reza do padre só fazia milagre
Pra quem entendia aquela transação
Dentro da igreja o padre era um santo
Das 6 da matina até o meio-dia
Mas debaixo da sua batina cheia de flagrante que só Deus sabia
O crucifixo que o padre usava era um tremendo canudo de ouro
Só quem sabia do significado
Desembolsava logo o dinheiro do bolo
Pro azar do padreco pintou um dedo de seta
O computador do capeta manjava o latim
Ligou as antenas e pegou a mensagem
Que foi traduzida e dizia assim
Quem quiser cafungar ou dá dois
Vai na sacristia com o sacristão
Mas leve em dólar que a coisa é da boa
Porque com o cruzeiro não tem transação
Rapidinho o radar, na maior covardia o padreco vendeu
Os federais grampearam o vigário vendendo o bagulho na casa de Deus
Mas seu advogado que o direito penal muito entende
Fez uma petição clamando ao juiz
"Doutor perdoa que ele não sabe o que vende"


O parceiro Nilo Dias 


O cantor e compositor, Bezerra da Silva

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