Nas últimas semanas, a Defesa Civil alertou sobre uma nova onda de calor extremo que atingirá a região de Presidente Prudente, com temperaturas que podem chegar a 36°C (G1, 2025). Esse fenômeno não é isolado e tão pouco devemos encarar com normalidade; faz parte de um contexto maior de mudanças climáticas que afetam principalmente os espaços urbanos. Mas a pergunta que devemos fazer é: quem realmente pode se proteger do calor?
As cidades, com suas vastas áreas pavimentadas e alta concentração de construções de concreto, funcionam como verdadeiras "ilhas de calor". Estudos como o da pesquisadora Dra. Margarete Amorim apontam que, em Presidente Prudente, a temperatura nos bairros mais densamente construídos pode ser até 9,6°C maior do que em áreas rurais próximas. Isso ocorre porque superfícies impermeáveis, como asfalto e concreto, absorvem calor durante o dia e liberam lentamente à noite, criando bolsões de ar quente que tornam o ambiente ainda mais sufocante (AMORIM, 2005).
Enquanto bairros de alto padrão contam com ampla arborização, piscinas e ar-condicionado em praticamente todos os ambientes, bairros periféricos enfrentam o calor sem qualquer infraestrutura de resfriamento. Uma imagem recente que circulou em redes sociais ilustra bem essa desigualdade: uma casa em um condomínio fechado com mais de dez aparelhos de ar-condicionado e, em contraste, uma residência em um conjunto habitacional cercada por concreto, sem uma única árvore ao redor. Esse é um reflexo evidente da desigualdade que cresce nas cidades brasileiras.
A crise climática não afeta todos da mesma forma. Pessoas que trabalham em condições precárias, como vendedores informais, trabalhadores da construção civil, catadores de recicláveis entre outras profissões, sofrem mais com as temperaturas extremas, muitas vezes sem acesso a locais climatizados ou mesmo a fontes de água potável. Um exemplo desse fato é o Parque do Povo, onde não há uma fonte de hidratação para as pessoas que circulam pela área. A exposição prolongada ao calor intenso pode levar a problemas de saúde graves, como insolação, desidratação e até complicações cardíacas.
O papel dos espaços públicos na construção da justiça climática
Os espaços públicos deveriam ser uma alternativa para aliviar esses impactos. Parques, praças e corredores verdes podem mitigar o efeito das ilhas de calor e oferecer áreas de descanso para a população. No entanto, a distribuição desses espaços segue um padrão excludente: bairros centrais recebem investimentos em áreas arborizadas, enquanto regiões periféricas, com menor infraestrutura urbana, continuam desprotegidas.
Diante desse cenário, algumas soluções incluem a ampliação de áreas verdes nas periferias, com o plantio de árvores e a criação de espaços de lazer sombreados; a reforma de edifícios públicos e escolas para a implementação de telhados verdes, climatização adequada e áreas com vegetação; a criação de refúgios climáticos, como bibliotecas, centros comunitários e unidades de saúde, equipados com ventilação e acesso gratuito à água; a implementação de políticas de incentivo ao transporte público, como o passe livre; e a regulamentação da construção civil, exigindo o uso de materiais e técnicas que reduzam a absorção de calor em moradias populares.
Se o calor extremo se torna cada vez mais presente, as soluções para enfrentá-lo devem ser coletivas, é hora da sociedade civil pressionar os nossos governos municipais, estaduais e federal, pois se nós continuarmos da mesma maneira permitindo que globalmente a indústria fóssil e localmente o agronegócio arcaico destruam nossas vidas, o ponto de não retorno vai chegar muito mais rápido do que estamos imaginando. O direito à cidade também é o direito ao conforto térmico, à segurança e à dignidade.
Referências sugeridas
ANDRADE, M, F. A importância das cidades na crise climática. Ciência & Cultura, [s.l.], v. 76, n. 3, 2024. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20240065 . Acesso em: 18/02/2025.
AMORIM, M, C, C, T. Intensidade e forma da ilha de calor urbana em Presidente Prudente/SP: episódios de inverno. Geosul, Florianópolis, v. 20, n. 39, p. 65-82, jan./jun. 2005.
G1. Defesa Civil alerta sobre onda de calor até quarta-feira na região de Presidente Prudente. G1, 17 fev. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2025/02/17/defesa-civil-alerta-sobre-onda-de-calor-ate-quarta-feira-na-regiao-de-presidente-prudente.ghtml. Acesso em: [17/02/2025].