Seres perecíveis

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 10/02/2019
Horário 07:30

Por ocasião do Dia Mundial do Enfermo (11 de fevereiro), o papa escreve uma carta. Destaco alguns pontos cuja reflexão é sobre a gratuidade da perecível vida humana. A vida é dom de Deus, pois “que tens tu que não tenhas recebido?” (1Cor 4,7). E, precisamente porque é dom, a existência não pode ser considerada como mera posse ou propriedade privada, sobretudo em vista das conquistas da medicina e da biotecnologia. Contra a cultura do descarte e da indiferença, cumpre-me afirmar que se há de colocar o dom como paradigma capaz de desafiar o individualismo e a fragmentação social dos nossos dias.

Como pressuposto do dom, temos o diálogo, que abre espaços relacionais de crescimento e progresso humano capazes de romper os esquemas consolidados de exercício do poder na sociedade. O dar não se identifica com o ato de oferecer um presente: não se pode reduzir à simples transferência de uma propriedade/objeto. Distingue-se de presentear porque inclui o dom de si mesmo e supõe o desejo de estabelecer um vínculo. Assim, antes de mais nada, o dom é um reconhecimento recíproco, que constitui o caráter indispensável do vínculo social. No dom, há o reflexo do amor de Deus, que culmina na encarnação do Filho Jesus e na efusão do Espírito Santo.

Todo o homem é pobre, necessitado e indigente. Quando nascemos, para viver tivemos necessidade dos cuidados dos nossos pais; de forma semelhante, em cada fase e etapa da vida, cada um de nós nunca conseguirá ver-se livre totalmente da necessidade e da ajuda alheia, nunca conseguirá arrancar de si mesmo o limite da impotência diante de alguém ou de alguma coisa. Também esta é uma condição que caracteriza o nosso ser de “criaturas”. O reconhecimento leal desta verdade convida-nos a permanecer humildes e a praticar com coragem a solidariedade, como virtude indispensável à existência.

Esta consciência impele-nos a uma práxis-responsável e responsabilizadora, tendo em vista um bem que é indivisivelmente pessoal e comum. Apenas quando o homem se concebe, não como um mundo fechado em si mesmo, mas como alguém que, por sua natureza, está ligado a todos os outros, originariamente sentidos como “irmãos”, é possível uma práxis-social solidária, orientada para o bem comum. Não devemos ter medo de nos reconhecermos necessitados e incapazes de darmos tudo aquilo de que teríamos necessidade, porque não conseguimos sozinhos e apenas com as nossas forças vencer todos os limites. Não temamos este reconhecimento, porque o próprio Deus, em Jesus, rebaixou-se (cf. Fl 2,8), e rebaixa-se até nós e às nossas pobrezas para nos ajudar e dar aqueles bens que, sozinhos, nunca poderíamos ter.

 (*) Das muitas tragédias havidas no início deste ano em nosso país, ressoa em minha memória a palavra do Senhor: “Ouvem-se gemidos e pranto em Ramá: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada porque não existem mais” (Jr 31,15). E “furioso, o rei Herodes mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território ao redor, de dois anos para baixo” (Mt 2,16). Como exigir reparação quando vidas são destruídas? Qual reparação? Um preço pela vida? Reparação verdadeira seria uma transformação profunda da estrutura estatal incumbida de proteger a vida. Às vezes, nos perdemos em estéreis debates retóricos sobre ideologias e deixamos escapar pelos vãos dos dedos a areia da vida real que passa descuidada. Como cristão, espero e calmo o consolo do Senhor pelo Espírito e pelas muitas pessoas que d’Ele se fazem instrumento. Balas, lama, água (chuva), fogo... aqui, tudo mata! Senhor, salva-nos, estamos perecendo! (Mt 8,25).

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

Sandro Rogério dos Santos é pároco do Santuário Diocesano Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, situado no Jardim Maracanã, em Presidente Prudente. Contato: padre@santuariosantateresinha.com

 

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