Plano B para as Águas Urbanas

OPINIÃO - Maurício Waldman

Data 13/04/2019
Horário 04:42

O saudoso hidrólogo Aldo da Cunha Rebouças, falecido em 2011, de quem honradamente fui colega como professor em cursos de capacitação em recursos hídricos fomentados pelo Fehidro (Fundo Estadual de Recursos Hídricos), notabilizou-se como uma voz crítica dos sistemas brasileiros de gestão das águas urbanas. Ao mesmo tempo, Rebouças ganhou fama como intelectual propositivo, atento ao que definia como uso inteligente de cada gota d’água. Ponderava que em muitos contextos, mitigar a escassez de água requer mais a mudança de procedimentos do que a ampliação dos investimentos.

Deste modo, diante da Crise Hídrica, a gestão das águas urbanas incluiria, além da melhoria na governança estatal, a aplicação de medidas e novos paradigmas visando o abastecimento das cidades. Por exemplo, o meio urbano construído, visualizado da alta atmosfera, basicamente não passa de um vasto telhado. Assim sendo, por que não estimular a instalação de sistemas prediais para reservar a água da chuva para fins não potáveis?

O economista Ladislau Dowbor calculou que uma chuva de 100 milímetros, fluindo sobre 10 km² de uma mancha urbana contínua, significa 1.000.000 m³ de água, ou, um milhão de caixas d’água de mil litros. É muita água: equivale ao consumo mensal de 100.000 residências, supondo-se o padrão da SABESP, que estabelece 10 m³ como volume-base para a conta de água mensal.

Sabe-se que a descarga pluvial no piso impermeabilizado das urbes as transforma em vetor de calamidades. Mas, quando acumuladas em sistemas domiciliares de captação, podem promover benefícios, como a redução das enchentes e uso da água tratada para finalidades mais nobres. A água da chuva é uma opção mais em conta do que utilizar água tratada, que requer logística cara e pesa no bolso. Isso, sem prejuízo de tarefas rotineiras como lavagem de calçadas e quintais, irrigação de jardins, limpeza pesada e abastecer os banheiros.

Outra medida seria substituir torneiras e vasos sanitários em favor dos que utilizam descarga reduzida, ambientalmente mais adequada. Anote-se que entre 60 a 75% do consumo hídrico domiciliar é destinado para limpeza, higiene e movimentação de dejetos.

No mais, uma agenda clássica de ações para enfrentar a Crise Hídrica, aguarda encaminhamento pelas administrações municipais brasileiras. Num elenco sumário, pode-se apontar: Utilização de caixas acopladas no lugar das válvulas hidras, com reutilização da água de toalete; Educação ambiental visando pauta procedimental no uso do líquido; Proibição da distribuição gratuita de sacolinhas plásticas descartáveis, origem de enchentes e epidemias; Instalação de torneiras com aeradores e/ou com vazão inteligente, monitoradas por sensores e bloqueadores mecânicos; Isenção tributária para os que implantarem sistemas de coleta das chuvas; Incentivo à reciclagem e compostagem residencial; Campanhas periódicas de manutenção de caixas d’água, válvulas, registros e torneiras; Bonificação de usuários que se destaquem no uso correto de água; Interdição de hábitos e práticas perdulárias em recursos hídricos; Calçadas verdes, com blocos vazados permitindo a infiltração das chuvas; Arborização e ampliação dos parques urbanos; e Endurecimento da fiscalização, impedindo o roubo de água pública.

Estas medidas requerem esforço administrativo, mais do que gastos milionários pagos com tributos que atormentam a vida dos cidadãos. Refletia Aldo Rebouças, inventividade rima com poupança, de recursos naturais, insumos e óbvio, dinheiro. O problema, também alertava Rebouças, é que soluções inteligentes são baratas. Logo, não garantem dinheiro para as empreiteiras e por isso, concluía o notável professor, são descartadas. Porém, urge mudar este quadro. A Crise Hídrica assim o exige. E os cidadãos preocupados com o futuro das cidades também.

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